Abordando as principais discussões acerca da herança
legítima, o professor Gustavo Andrade, vice-presidente do Instituto Brasileiro
de Direito de Família seção Pernambuco – IBDFAM/PE, é âncora do quarto episódio
do podcast Direito de Família e Arte. O programa já está disponível no Soundcloud e
no Spotify.
Para traçar o paralelo entre a narrativa literária e o
instituto da herança legítima, Gustavo fala sobre a concentração do patrimônio
nas mãos de poucas famílias em países como o Brasil, o que colabora com a
desigualdade social, e acerca das dificuldades que a própria lei impõe àquele
que quer deter mais autonomia para destinar seu patrimônio após a morte.
Ele cita o romance “Os Miseráveis” de Victor Hugo, que,
apesar de ter sido publicado em 1862, ainda possui elementos que correspondem à
realidade vivida pela sociedade contemporânea.
“Um corte temporal de aproximadamente duzentos anos entre a
Revolução Francesa, quando se passa a história de Victor Hugo, até os dias
atuais, nos faz refletir sobre o fato de que todas as conquistas que a
humanidade herdou da França revolucionária, depois aperfeiçoadas pelo advento
do Estado social, somente podem ser concretizadas em um ambiente social onde a
distância entre as suas camadas mais extremas não seja um abismo
intransponível. Onde esse abismo se fizer presente, haverá miseráveis. Em
muitas passagens do livro, nos surpreendemos como aquelas palavras que,
escritas no século XIX, são tão atuais”, ressalta.
Herança legítima no Brasil
O podcast também destaca que a herança legítima tem uma
importância histórica inquestionável. No Brasil, foi instituída antes mesmo da
promulgação do Código Civil de 1916 sob o manto da solidariedade e da proteção
à família. Na época, a família a que se visava proteger era a família
patriarcal, hierarquizada e centrada no patrimônio.
O professor conta que a expectativa de vida do homem
brasileiro começou a ser calculada na década de 1940 e era de 45 anos à época.
No início do século XX, era ainda menor. “Era comum que o chefe da família
morresse cedo, deixando desamparados sua mulher e filhos, muitas vezes ainda
crianças. A porção obrigatória da herança buscava assegurar a manutenção da
família até que os filhos se tornassem independentes”, diz Gustavo Andrade.
Por outro lado, o Direito das Famílias evoluiu bastante nos
últimos 100 anos, atendendo à valorização da pessoa humana, que foi em busca de
sua realização, não mais compondo o retrato da família exclusivamente formada a
partir do casamento.
“Várias intervenções legislativas, a exemplo do Estatuto da
Mulher Casada e da Lei do Divórcio, fizeram surgir as mais diversas
configurações familiares. Entidades familiares fundadas no afeto, famílias recompostas
após o término dos relacionamentos, uniões entre pessoas do mesmo sexo, todas
essas modalidades estão inseridas no contexto do artigo 226 da Constituição da
República, norma cuja leitura inclusiva foi realizada de maneira magistral por
Paulo Lôbo em artigo intitulado ‘Entidades familiares constitucionalizadas: para além do
numerus clausus’” afirma.
Dessa forma, o professor diz compreender que o Direito das
Sucessões não acompanhou as mudanças ocorridas nas famílias. Segundo ele, a
legítima necessita ser revisitada à luz dos princípios constitucionais hoje
vigentes, como a própria solidariedade, a dignidade da pessoa humana e a função
social da propriedade.
“A expectativa de vida do brasileiro, hoje, gira em torno de
75 anos, sendo comum que, ao morrer, os pais deixem filhos e até netos
completamente independentes financeiramente e com seus próprios núcleos familiares
formados, permitindo ao autor da herança uma maior autonomia para destinar
parte de seus bens a alguém que dele cuidou, até mesmo a um de seus herdeiros
que pode ter uma necessidade específica”, afirma.
O podcast Direito de Família e Arte é uma iniciativa da
comissão de mesmo nome, presidida pela advogada Fernanda Leão Barretto. Com
periodicidade mensal, o programa tem como objetivo democratizar o entendimento
do Direito de Família por meio da conexão dos temas jurídicos com as mais
variadas manifestações artísticas. Ouça no Soundcloud e
no Spotify.
Fonte: IBDFAM