A celebração do contrato de fiança não pode ser confundida
com a existência do crédito em si, pois o negócio jurídico (fiança) existe desde
a realização do contrato, ao passo que o crédito somente se constitui a partir
do pagamento da obrigação principal pela parte garantidora. Por isso, os
créditos de contratos de fiança bancária gerados após o pedido de recuperação
judicial não se sujeitam ao processo de soerguimento, nos termos do artigo 49 da Lei 11.101/2005.
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal
de Justiça (STJ) negou o pedido do grupo OAS para incluir créditos decorrentes
de fiança bancária no seu processo de recuperação judicial. A decisão foi
unânime.
Segundo o processo, a OAS, antes da protocolização de seu
pedido de recuperação, firmou com uma instituição financeira contratos de
prestação de fiança para garantir obrigação contraída com terceiros. No
entanto, os créditos titularizados pela instituição credora não foram arrolados
pelo administrador judicial como sujeitos aos efeitos do processo de recuperação,
ao argumento de que se originaram posteriormente ao pedido recuperacional.
A instituição bancária alegou judicialmente que, como as
fianças foram firmadas antes da deflagração do processo de recuperação,
deveriam compor a relação dos créditos. Os juízos de primeiro e segundo graus
não acolheram a alegação, por entenderem que o crédito não existia no momento
do pedido de recuperação – o que, nos termos do artigo 49 da Lei 11.101/2005,
impede sua sujeição ao processo de soerguimento.
Contra esse entendimento, a OAS interpôs recurso especial,
buscando, assim como o banco, a submissão dos créditos da fiança à recuperação.
Marco temporal
A relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi,
explicou que o caput do artigo 49 da Lei 11.101/2005 estabelece que
se sujeitam à recuperação todos os créditos existentes na data do pedido, ainda
que não vencidos. Consequentemente, acrescentou, "não são submetidos aos
efeitos do processo de soerguimento aqueles credores cujas obrigações foram
constituídas após a data em que o devedor ingressa com o pedido de
recuperação".
Nancy Andrighi destacou que, nos contratos de fiança, o
fiador somente se torna credor do afiançado se e quando vier a promover o
pagamento de dívida não honrada pelo devedor original da obrigação principal
(objeto da garantia). A relatora observou que, no caso, a instituição fiadora
apenas passou a ostentar a condição de credora da OAS depois que honrou o
débito – e após o pedido de recuperação.
"O fato gerador do crédito titularizado pelo banco em
face da recuperanda foi o pagamento que efetuou em razão da inércia da
sociedade devedora, obrigação que lhe incumbia em decorrência do contrato de
fiança firmado", declarou a ministra.
Constituição do crédito
De acordo com Nancy Andrighi, a celebração de um contrato de
fiança não equivale à realização de uma operação de crédito, pois o instrumento
contratual consiste na prestação de uma garantia, que será acionada apenas na
hipótese de inadimplemento.
"Na fiança, até que a obrigação garantida não seja
descumprida pelo devedor, não há saída de numerário da esfera patrimonial do
fiador para a do credor, o que é imprescindível para a constituição de seu
crédito contra o afiançado", ressaltou a ministra.
Como, na data do pedido de recuperação, o banco emitente das
cartas-fiança não era titular de créditos contra a sociedade recuperanda, a
relatora concluiu que se deve manter o entendimento do acórdão recorrido, que
assegurou a extraconcursalidade dos valores correspondentes.
Leia o acórdão.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1860368
Fonte: Supremo Tribunal de Justiça