Modelo que será adotado pelo Brasil tem
semelhanças com o GDPR, aplicado pela União Europeia
É sabido que a Lei
13.709/18 – Lei Geral de Proteção de Dados, é considerada no ambiente acadêmico
como uma das leis mais importantes a ser incorporada em nosso ordenamento
jurídico a partir de maio de 2021. Em verdade, pelo seu texto original, a lei
já estaria em vigor, porém, em razão de um veto do então presidente Michel
Temer, referente a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD),
posteriormente instituída pela Medida Provisória 869/18 e convertida na Lei
13.853/19; e pelo surto mundial de coronavírus, entendeu por bem o Congresso
Nacional em postergar a vigência da lei.
Nesse sentido,
buscaremos abordar nos próximos textos aspectos específicos atinentes à LGPD.
Seu conteúdo é inovador e causará forte impacto nas relações de consumo, servindo
como mais um instrumento normativo na defesa dos interesses dos consumidores.
A LGPD é a mais pura
tradução dos tempos atuais, no qual boa parte das relações pessoais e de
consumo migraram para os ambientes virtuais. Nesse contexto, ter acesso às informações
pessoais dos consumidores se tornou o grande objetivo de grandes grupos
econômicos.
O consumidor não é
apenas visto como um comprador ou cliente em potencial de um produto ou
serviço. À sua pessoa foi agregado um valor abstrato, intangível, formado pela
universalidade de comportamentos, desejos, compras, opiniões e buscas feitas em
ambiente virtual. A essa universalidade de bens intangíveis deu-se o nome de
"dados pessoais", e a eles é que se busca dar especial atenção.
Todavia, um instrumento normativo não se dá do dia para a noite, mas sim, é
resultado de um processo histórico de demandas da sociedade que, ao final, será
traduzido em lei.
No que tange à
evolução histórica da proteção de dados, citamos alguns elementos marcantes,
tais como, o julgamento alemão de 1983 do Tribunal Constitucional, que
reconheceu o direito fundamental à autodeterminação informativa, servindo como
marco temporal no reconhecimento de que havia uma matéria autônoma chamada
“Proteção de Dados”, diferente da tutela à privacidade, vez que a determinação
informativa é justamente garantir ao cidadão a palavra final no controle de
seus dados.
Tal perspectiva se
consolidou de forma definitiva nos anos 2000, quando a nova edição da Carta de
Direitos Fundamentais da União Europeia reconheceu em seu Art. 8º a Proteção de
Dados como um direito autônomo, destacado do Direito à Privacidade (Art. 7º).
Para compreendermos
como as normas de proteção de dados se estruturaram historicamente, temos que
fazer referência a dois grandes modelos: “Modelo Europeu de Proteção de Dados”
e o “Modelo Norte-Americano de Proteção de Dados. O primeiro é baseado na ideia
de que os dados pessoais somente podem ser tratados se houver uma base legal,
isso é, dentro de algumas hipóteses anteriormente previstas em lei. Permite-se
que ocorra o tráfego de dados pessoais dos cidadãos se ancorado na legislação.
O modelo europeu é centralizador, concentrando o dever de fiscalizar a
aplicação da lei e de impor sanções a uma autoridade independente com competência
para agir em todos os países membros do bloco.
Na Europa, desde
1970 encontramos as emanações das primeiras leis de proteção de dados, todas
unificadas a partir de 1995. Nesse sentido, o General Data Protection
Regulation (GDPR), é o regulamento geral de proteção de dados europeu, é a lei
que hoje em dia vale para todos os países europeus, devendo ter aplicação
harmônica e conjunta com a legislação própria de cada país membro.
O GDPR é a lei
diretamente aplicável a toda União Europeia, mas sua edição não representou
inovação legislativa no que concerne à proteção de dados pessoais, haja vista
que a maioria de suas disposições já se encontravam em leis europeias pré-1995.
Por essa razão, a GDPR não causou na Europa o forte impacto que a LGPD deverá
causar no Brasil, vez que a lei limitou-se a adaptar e harmonizar alguns pontos
destoantes entre os países membros.
Por sua vez, o
“Modelo Norte-Americano de Proteção de Dados” não pode ser denominado
propriamente um modelo, tendo em vista a falta de uniformidade nas normas
aplicadas em cada estado. Nos EUA encontramos leis que tratam somente de
determinados entes, sejam públicos ou privados. Há uma lei que trata de
privacidade perante a União e outras tantas que tratam de questões estaduais,
ou até regionais, muito específicas. Um exemplo dentro desse emaranhado de
legislações é a lei americana de proteção ao crédito, que foi aqui quase que
literalmente transposta para o art. 43 do CDC, obrigando a notificação do
consumidor em caso de abertura de cadastro.
Nesse sentido, as
normas americanas de proteção de dados apresentam caráter setorial, dizendo
respeito a algum aspecto da proteção de dados das pessoas. Não há, portanto,
uma normativa geral, muito embora haja demanda e tendência para uma unificação.
O estado da Califórnia, por exemplo, aprovou recentemente uma norma bastante
relevante e consistente na proteção dos dados pessoais e, por sua importância
estratégica para a economia dos EUA, pode servir como paradigma para os outros
estados Além da influência californiana, há pressões políticas internacionais,
posto que os protocolos internacionais de tratamento de dados exigem que o país
receptor ou fornecedor dos dados tenha legislação específica de proteção.
Diante dos modelos
apresentados, verificamos que o adotado pelo Brasil reproduz a visão europeia
de proteção de dados. Assim como a GDPR é aplicável a todos os estados membros
da UE, a LGPD será aplicada a todos os estados federativos nacionais. De igual
forma, ambas apresentam como ente fiscalizador da norma uma autoridade
concentrada, responsável pela sua observância e aplicações de eventuais
sanções.
Fonte: IG –
Brasil Econômico