Ao reconhecer defeito em notificação que não indicou
corretamente o titular do crédito fiduciário, a Quarta Turma do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) deu parcial provimento ao recurso de uma mulher que
teve o imóvel levado a leilão após deixar de pagar as parcelas do
financiamento.
O recurso teve origem em ação ajuizada pela mulher, em 2014,
contra a Caixa Econômica Federal (CEF) para declarar a nulidade da consolidação
da propriedade de um imóvel – apontado por ela como bem de família –, ao
argumento de que o procedimento de constituição em mora teria sido deflagrado
por terceiro não detentor do crédito. Requereu prazo para quitar os atrasados,
de modo a viabilizar a continuidade do contrato de financiamento.
Segundo relatou, ela adquiriu o imóvel em 2005 e contratou
financiamento com a CEF para construir no terreno, mediante alienação
fiduciária – contrato que foi liquidado em 2011. Em 2012, ela contratou em
outra instituição novo financiamento com alienação fiduciária, mas não
conseguiu pagar parcelas vencidas em 2013. Em outubro daquele ano, recebeu
notificação de que tinha o prazo de 15 dias para purgar a mora com a CEF, mas
afirmou que, ao procurar uma agência dessa instituição, bem como uma da outra,
recebeu a informação de que não havia dívida em nenhuma delas.
Contudo, em 2014, seu imóvel foi anunciado para leilão da
CEF, ocasião em que soube que a instituição na qual fez o segundo financiamento
havia cedido seu direito de crédito ao banco público. O juízo de primeiro grau
considerou regular as providências adotadas pela CEF para a execução
extrajudicial, e entendeu que a situação se enquadraria na exceção legal à
expropriação de bem de família prevista no inciso
V do artigo 3º da Lei 8.009/1990.
Bem de família
Após o Tribunal Regional Federal da 4ª Região negar
provimento à sua apelação, a devedora recorreu ao STJ alegando, entre outros
pontos, que seria obrigatório observar a proteção legal ao bem de família e que
não teria ocorrido a sua constituição em mora, tendo em vista a nulidade da
notificação feita em nome de pessoa jurídica diversa do credor.
O relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, citou
precedentes das turmas de direito privado do STJ, com o entendimento de que a
proteção conferida ao bem de família pela Lei 8.009/1990 não importa em sua
inalienabilidade e que é possível a disposição do imóvel pelo proprietário,
inclusive no âmbito de alienação fiduciária.
Para o ministro, no caso dos autos, não há como afastar a
validade do acordo de vontades firmado entre as partes, não havendo razão para
excluir os efeitos da alienação fiduciária nesse ponto.
Defeito na notificação
Salomão ressaltou que, com o registro da alienação em
cartório, há o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor
direto e o fiduciário possuidor indireto do bem. Em caso de não pagamento –
explicou –, o agente notarial notifica o devedor, constituindo-o em mora, e, se
persistir a inadimplência (período de 15 dias), consolida-se a propriedade do
imóvel em nome do fiduciário, com a consequente e posterior venda do bem em
leilão.
De acordo com o relator, essa notificação, além de
constituir o devedor fiduciante em mora, permite o surgimento do direito de
averbar na matrícula do imóvel a consolidação da propriedade em nome do credor
notificante, isto é, do fiduciário. O relator lembrou que a Quarta Turma adotou
o entendimento de que "a repercussão da notificação é tamanha que qualquer
vício em seu conteúdo é hábil a tornar nulos seus efeitos, principalmente
quando se trata de erro crasso".
Para o ministro, no caso em julgamento, é evidente a
existência de defeito na indicação do credor fiduciário (notificante), pois, à
época do encaminhamento da notificação extrajudicial, a CEF não titularizava
qualquer crédito em face da devedora fiduciante (notificada) – cenário que
somente veio a ser alterado em janeiro de 2014, quando houve a cessão do
crédito pertencente à credora originária.
"Assim, a meu ver, o defeito na notificação caracteriza
a inexistência de notificação válida, o que afasta a constituição em mora do
devedor e, consequentemente, invalida a consolidação da propriedade do imóvel
em nome do credor fiduciário" – afirmou o relator ao declarar a nulidade
da consolidação da propriedade em nome da CEF, devolvendo à devedora o prazo
para purgação da mora e a possibilidade de restauração do contrato de
financiamento.
Leia o acórdão.