Resumo: A usucapião é uma das formas de aquisição de
propriedade e de outros direitos reais que pode ser realizado pela via
administrativa ou judicial. O instituto da usucapião extrajudicial é recente no
direito brasileiro, diante disso faz-se necessário analisar sua efetividade.
Tal surgiu a partir da busca da desjudicialização do instituto. O processo de
desjudicialização emerge no cenário jurídico nacional como uma possível solução
para o caos no judiciário, gerado pela grande quantidade de processos. Por esse
motivo, a utilização das serventias extrajudiciais popossibilitam que o
Judiciário se ocupe com as questões que efetivamente justifiquem sua atuação.
Palavras-Chave: Usucapião, extrajudicial, desjudicialização.
Introdução
A Usucapião, de modo geral, é um modo de aquisição da propriedade móvel ou
imóvel que se dá mediante a posse prolongada da coisa, desde que atendidos os
requisitos legais. Tal matéria é disciplinada no Código Civil que contempla as
respectivas modalidades e requisitos necessários para que seja possível
usucapir o bem pretendido.
Durante a vigência do Código de Processo Civil de 1973, a aquisição da
propriedade mediante usucapião se dava apenas por meio da ação de usucapião,
prevista no referido diploma nos artigos 941 a 945.
Entretanto, para o atual Código de Processo Civil verifica-se a possibilidade
da desjudicialização de tais procedimentos, direcionando para a via
administrativa aqueles de menor complexidade, dentre eles, a aquisição pela
usucapião.
Nesse contexto, introduziu-se o instituto da usucapião extrajudicial (ou
administrativo) através do artigo 1.071 do CPC/2015, alterando a Lei de
Registros Públicos mediante inclusão do artigo 216-A em seu texto. Tornando-se
possível a tramitação desse procedimento de aquisição da propriedade
imobiliária através do Registro de Imóveis de onde está situado o imóvel
usucapiendo.
O instituto da usucapião extrajudicial é recente no direito brasileiro. A
novidade já se espalha por todo lugar, contudo não se sabe se o novo instituto
é efetivo.
A Usucapião extrajudicial trata-se de meio extrajudicial para resolução de
processos dessa alçada e torná-los mais simplificados, de maneira a contribuir
na regularização fundiária.
O objetivo central deste trabalho é o estudo do instituto da usucapião e
análise acerca da efetividade do seu procedimento extrajudicial, com as
alterações sofridas a partir da edição da Lei de nº. 13.465/2017.
Faz-se necessário analisar o procedimento da usucapião extraordinária, uma vez
que existe a necessidade da concordância expressa dos confinantes e dos antigos
proprietários do imóvel objeto da usucapião extrajudicial na planta e memorial
descritivo, documentos exigidos pela lei para o andamento do procedimento, o
que foi alterado pela lei 13.838/19.
A situação apresentada é que com a edição da Lei de nº. 13.465/2017 o
procedimento extrajudicial da usucapião ganhará efetividade prática e passará a
ser uma realidade para as partes interessadas.
Para a realização do presente trabalho, utilizou-se o método de abordagem dedutivo,
uma vez que uma temática geral, no caso a usucapião, vai de encontro a uma
temática específica. Procedimentalmente serão adotados os métodos monográfico,
por tratar o desmembramento do assunto, e histórico, observando como se deu a
evolução da dinâmica do instituto da usucapião. Quanto às técnicas de pesquisa,
utilizou-se a técnica bibliográfica, a partir da análise de material
preexistente sobre as temáticas abordadas.
Para tanto, será estudado inicialmente o princípio da propriedade, buscando
compreender sua função social, assim, após a contextualização do referido
princípio, apresenta-se necessário o estudo específico da evolução do instituto
da usucapião no Brasil. Posteriormente, de forma mais detida, será analisado o
fenômeno da usucapião extrajudicial, buscando compreender seus requisitos e
procedimentos.
Busca-se, assim, demonstrar as possíveis repercussões que o usucapião
administrativa no ordenamento jurídico brasileiro, sendo possível,
inicialmente, abordar como a usucapião pode contribuir com a materialização do
princípio da função social da propriedade.
Direito de propriedade e função social
O Direito das coisas é um ramo do direito
privado que regula os direitos de posse e propriedade
dos bens móveis e imóveis, bem como as formas de aquisição desses
direitos.
O direito de propriedade tem relevante destaque no ordenamento jurídico
brasileiro. Diversos doutrinadores, dentre eles Orlando Gomes é enfático ao
dizer que “o direito real de propriedade é o mais amplo dos direitos reais”
(GOMES, 2012, p. 103). Por sua vez, Carlos Roberto Gonçalves afirma que
“trata-se do mais completo dos direitos subjetivos, a matriz dos direitos reais
e o núcleo do direito das coisas” (GONÇAVEZ. 2014, p. 67).
O estudo jurídico da propriedade surge diante da necessidade humana de
apropriar-se de bens. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenveld (FARIAS E
ROSENVALD, 2015) asseveram que a necessidade do indivíduo de satisfazer suas
necessidades vitais através da apropriação de bens pode ser verificada desde os
primórdios da humanidade, quando o homem deixa de pertencer a terra e a terra
passa a pertencer ao homem.
Orlando Gomes (GOMES, 2012) divide o conceito de propriedade em três critérios:
o sintético, como sendo a submissão de uma coisa a uma pessoa; o analítico, que
seria o direito de usar, fruir e dispor de um bem, e reavê-lo de quem
injustamente o possua; e o descritivo, no sentido de ser um direito complexo,
absoluto, perpétuo e exclusivo, considerando a submissão da coisa à vontade de
uma pessoa com as limitações legais.
O direito de propriedade é direito subjetivo fundamental no ordenamento
jurídico brasileiro, protegido e resguardado pela Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, positivado no art. 5º, XXII, e também no art.
1228 do Código Civil, assegura ao proprietário “o direito de usar, gozar e
dispor de seus bens, e de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a
possua ou detenha”.
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (FARIAS E ROSENVALD, 2015)
afirmam que a propriedade tem como função individual garantir a autonomia
privada do ser humano e o desenvolvimento de sua personalidade, haja vista que
os direitos reais são outorgados a uma pessoa com fins de realização pessoal da
posição de vantagem capazes de exercer sobre a coisa.
Caio Mário (PEREIRA, 2012) entende que os bens não são dados ao homem para que
sejam extraídos ao máximo e com o sacrifício dos demais, mas sim para que sejam
utilizados na medida em que possam preencher a sua função social. Por esse
motivo, defende-se que há de se ter um limite no direito de propriedade,
visando o cumprimento de certos deveres e o desempenho da tal função.
O art. 1.231 do Código Civil preceitua que “a propriedade presume-se plena e
exclusiva, até prova em contrário”. Logo, pode-se afirmar que propriedade não
pode simplesmente se extinguir pelo não uso, devendo ser observado a princípio
da função social.
O princípio constitucional da função social encabeça a principal restrição ao
direito de propriedade nos dias atuais, de modo que se apresenta extremamente
relevante seu estudo.
A própria CRFB/88, no art. 5º, XXIII, art. 182, § 2º e art. 186, se encarrega
de indicar como a função social da propriedade será cumprida.
No que tange a função social da propriedade rural, esta será cumprida quando
atender, simultaneamente, os critérios estabelecidos no art. 186, quais sejam:
(I) aproveitamento racional e adequado, (II) utilização adequada dos recursos
naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, (III) observância das
disposições que regulam as relações de trabalho, (IV) exploração que favoreça o
bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
No caso da propriedade urbana, o cumprimento da função social estará vinculado
ao atendimento das exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no
plano diretor, conforme preceitua o art. 182, §2º.
Nesse diapasão, ensina Marcelo Lessa da Silva (SILVA, 2016) que a função social
é um mecanismo de imposição de comprometimentos positivos em benefício da
coletividade, não se limitando a ser um princípio limitador dos direitos de
usar, gozar e dispor do bem.
Logo, podemos concluir que a inércia do proprietário que não destina o bem a
cumprir sua função social, ou ainda, que se aproveita da sua propriedade para
cometer atos ilícitos, será passível de reprovação pelo ordenamento jurídico.
Para Sílvio de Salvo Venosa, “a proteção àquele que se utiliza validamente da
coisa nada mais é do que revigoramento da usucapião” (VENOSA, 2010, p. 173),
pois o proprietário tem a obrigação de aproveitar seus bens e explorá-los,
tornando a propriedade operativa, realizando seu dever social.
Desse modo, o instituto da usucapião é cabível em certos casos em que se
encontram presentes o não uso da coisa, associado ao princípio da função
social, ocasionando a perda do direito subjetivo da propriedade por parte
daquele titular negligente.
O instituto da usucapião
O instituto da usucapião apresenta-se como um dos modos de
aquisição da propriedade e de outros direitos reais, ao lado de outras formas
como a acessão, transcrição, sucessão, desapropriação, casamento pela comunhão
universal, entre outros que se encontram dispostos no Código Civil.
Resumidamente, usucapião de imóvel é o meio de aquisição da propriedade pela
posse estendida, após tempo determinado em lei e observados os requisitos
legais. Segundo Arnoldo Wald:
O usucapião surgiu no direito romano a fim de proteger a posse do adquirente
imperfeito, que recebera a coisa sem as solenidades necessárias, de acordo com
a legislação então vigente. Trata-se, na realidade, de uma derrogação à
perpetuidade do domínio, em virtude da qual o possuidor, decorrido certo prazo,
torna-se proprietário (WALD, 2009, p. 192).
Percebe-se que o objetivo da usucapião é a modificação da situação jurídica de
que detém a posse prolongada e preenche os pressupostos necessários,
transformando-a em propriedade. Dado que, não seria justo não reconhecer a
propriedade e o direito a uso e gozo do imóvel àquele que cuidou, tornou-o sua
habitacional ou produziu por longo espaço de tempo – sem oposição (VENOSA,
2002, p, 190).
É necessário, preliminarmente, estudar o que se entende por posse ad
usucapionem¹. A posse ad usucapionem é aquela que preenche os
requisitos necessários para poder-se valer da usucapião para a aquisição da propriedade
(além dos demais requisitos formais). Por isso, compreende-se como posse ad
usucapionem aquela que possui as seguintes características: é justa, mansa
e pacífica, contínua e ininterrupta e, com animus domini² do
possuidor.
A posse justa é aquela cuja aquisição que se deu conforme a legislação, isto é,
não apresenta violência, clandestinidade ou precariedade, conforme ensina
Orlando Gomes (GOMES, 2008), devendo a posse justa também ser pública e
contínua.
Como mansa e pacífica, considera-se aquela posse exercida sem contestação do
efetivo proprietário do bem.
O animus domini consiste na intenção de possuir como se dono fosse,
desde o momento em que se assenta no bem. Conforme ensina, Maria Helena Diniz:
1 - a posse que se exerce por usucapião
2 - a intenção agir como dono
O animus domini (ou intenção de dono) é um requisito psíquico, que se
integra à posse para afastar a possibilidade de usucapião dos fâmulos da posse.
Excluindo-se, igualmente, toda posse que não se faça acompanhar do intuito de ter
a coisa para si, como a posse direta do locatário, do credor pignoratício, do
comodatário, do usufrutuário, do promitente comprador, do cessionário de
promessa de compra e venda porque sua posse advém de títulos que os obriga a
restituir o bem, não podendo, portanto, adquirir essa coisa (DINIZ,2007, p.
161).
É certo dizer que aqueles com a posse precária, tem o dever
de restituir o bem ao proprietário do imóvel, de modo que somente aquele que
cumprir com os requisitos da posse ad usucapionem farão jus à
transmutação de posse em propriedade.
Em princípio, todos os imóveis são suscetíveis a aquisição por usucapião,
exceto os que, por sua natureza ou disposição legal, estiverem excluídos,neste
sentido, Gomes (GOMES, 2008) defende que são usucapíveis somente aqueles que
recaem em coisas prescritíveis, mas não todos, sendo: a propriedade, as
servidões, a enfiteuse, o usufruto, a habitação e o uso.
Cumpre ressaltar que por força do art. 102 do Código Civil: “Os bens públicos
não estão sujeitos a usucapião”, bem como por força do §3º do art. 183 e
do parágrafo único do art. 191 da Constituição Federal.
Estão descritos no Código Civil, em seu artigo 99, como bens públicos:
Art. 99. [...] I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas,
ruas e praças;
II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço
ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou
municipal, inclusive os de suas autarquias;
III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de
direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas
entidades. (BRASIL, Lei nº 10.406 de 10 de 2002, Código Civil)
Deste modo, independentemente da espécie pleiteada, os bens públicos não
poderão ser usucapidos.
No direito brasileiro há três espécies principais de usucapião de bens imóveis:
usucapião extraordinária, ordinária e especial, sendo esta última subdividida
em rural e urbana. Além dessas principais modalidades encontra-se também
presente no ordenamento a modalidade especial de usucapião indígena,
devidamente regulamentada pelo Estatuto do Índio.
A usucapião extraordinária ou Tradicional é a modalidade que tem como requisito
o maior tempo de posse necessário para a aquisição da propriedade, mas, por
outro lado, é a que necessita de menos premissas para a sua obtenção
extraordinária.
Fundamenta-se a referida modalidade no artigo 1.238 do Código Civil, que
dispõe:
Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu
imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé;
podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de
título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis (CÓDIGO CIVIL, 2002).
Esta espécie, além do requisito comum para todas as formas – posse ad
usucapionem, exercida com animus domini – necessita apenas do
prazo prescricional de 15 (quinze) anos de posse.
O artigo 1.238 do Código Civil, o seu parágrafo único preceitua que será
reduzido para 10 (dez) anos o prazo, se o possuidor constituir morada habitual
ou ter realizado obras ou serviços de caráter produtivo no imóvel.
A usucapião ordinária fundamenta-se no art. 1.242 do Código Civil. Na
modalidade ordinária o lapso temporal é menor, sendo de dez anos, conforme
previsão do caput do artigo, e de cinco anos, de acordo com o parágrafo único.
Tal diferença encontra-se justificada pelo acréscimo de mais dois requisitos
indispensáveis para esta modalidade: a boa-fé e o justo título.
Além dos requisitos gerais, o prazo poderá ser diminuído para apenas 05 anos,
sendo necessário que exista concomitantemente: justo título de caráter oneroso,
que fora registrado e posteriormente cancelado, e, a destinação dada ao imóvel,
quer seja para moradia ou para inclinações de cunho econômico e social.
Avvad (AVVAD, 2006) explica, que o justo título é o instrumento que “se acha
formalizado e extrinsecamente hábil para transmitir a propriedade,
faltando-lhe, entretanto, algum requisito legal que impede sua transcrição”.
É o objeto que traz certeza ao usucapiente da sua propriedade sobre o imóvel,
mas com algum vício sanável. Referido título deve ser idôneo para a
transferência de propriedade, mas, que por algum erro formal, não produz seus
efeitos jurídicos.
A usucapião especial rural, também chamada de usucapião pro labore³,
encontra-se prevista no art. 191 da Constituição Federal, que aumentou a
dimensão da área rural para cinquenta hectares, tendo seu parágrafo único
vedado expressamente à aquisição de imóveis públicos. Além disso, outro
requisito a ser observado é que o usucapiente não pode ser proprietário de
outro imóvel, seja ele urbano ou rural.
Carlos Roberto Gonçalves (GONÇALVES, 2014) ensina que a simples posse não é
suficiente para justificar a usucapião especial rural, pois o seu objetivo
maior é promover a fixação do homem no campo, exigindo deste, em contrapartida,
uma ocupação produtiva do imóvel através da moradia e trabalho.
A usucapião especial urbana compreenderá a posse de área urbana, de até
duzentos e cinquenta metros quadrados e ocupado por cinco anos seguidos, com
ânimo de dono e utilizado para moradia do possuidor ou da sua família, desde
que o usucapiente não seja proprietário de outro imóvel durante o período
aquisitivo.
A espécie da usucapião indígena emerge a partir da Lei nº 6.001, de Dezembro de
1973 (Estatuto do Índio).
Tal modalidade está prevista expressamente no art. 33 do referido estatuto: “O
índio, integrado ou não, que ocupe como próprio, por dez anos consecutivos,
trecho de terra inferior a cinquenta hectares, adquirir-lhe-á a propriedade
plena”.
Presentes os requisitos, caberá a parte interessada demandar o usucapião do
imóvel, de uma das formas a seguir apresentadas.
3 – Pelo Trabalho
Da usucapião extrajudicial face a lei 13.465/2017
O direito de requerer judicialmente o reconhecimento da
usucapião está presente no artigo 1.241 do Código Civil, que assim dispõe:
“Poderá o possuidor requerer ao juiz seja declarada adquirida, mediante
usucapião, a propriedade imóvel”. Todavia, esta não é a única possibilidade de
usucapião. A possibilidade de solução de conflitos de interesse sem a prestação
jurisdicional, ou desjudicialização, faz parte da realidade brasileira
(TRINDADE, 2015).
O início do movimento de resolução de conflitos de forma extrajudicial pôde ser
notado já em 1994, através da edição da Lei nº. 8.951, responsável por
introduzir novos parágrafos ao art. 890 do Código de Processo Civil vigente à
época, criando assim procedimento extrajudicial para consignação em pagamento
de obrigação em dinheiro (CORRÊA, 2015).
Das leis com a vertente da desjudicialização, destaca-se a nº. 11.441/2007,
pois a partir dela tornou-se possível a lavratura de escritura pública, nos
cartórios e tabelionatos, para os casos de inventário, partilha, separação e
divórcio, desde que não tenha conflito e de partes menores ou incapazes
(CORRÊA, 2015).
Anteriormente, o reconhecimento da usucapião era disciplinado no Código de
Processo Civil de 1973, em seus artigos 941 a 945, e cabia somente ao juízo
competente analisar o preenchimento dos pressupostos formais, para então, a
sentença ser transcrita em mandado e expedida ao Registro de Imóveis competente
para seu devido registro.
Todavia, como forma de desjudicialização, inicialmente enfatizada desde a
Emenda Constitucional nº 45/ 004, o artigo 1.071 do novo CPC/2015, acrescentou
o artigo 216-A à Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73), que traz,
no caput:
Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento
extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório
do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo,
a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com: [...]
Constata-se então, que a via extrajudicial passou a ser uma opção ao
usucapiente, que, pôde escolher entre o procedimento judicial ou o
extrajudicial, sem prejuízo de ambos.
Entretanto, a via extrajudicial é cabível somente nos casos em que não houver
lide. Havendo impugnação por qualquer uma das partes, o procedimento será
remetido para a via judicial, consoante §10º do art. 216-A:
§10. Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial de
usucapião, apresentada por qualquer um dos titulares de direito reais e de
outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e
na matrícula dos imóveis confinantes, por algum dos entes públicos ou por algum
terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao
juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente
emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum.
A usucapião extrajudicial ou administrativa foi uma inovação concebida
inicialmente pela lei 11.977/2009, que instituiu o programa “Minha Casa, Minha
Vida”, e consiste em um mecanismo de regularização fundiária de terrenos
urbanos que já possuem ocupação, porém de forma desordenada. Segundo Fábio
Caldas de Araújo (ARAÚJO, 2015), esse tipo de regularização fundiária se dá
através de duas hipóteses: a primeira possui natureza social, e diz respeito à
usucapião para moradia, e, a segunda, é destinada a fins específicos a serem
definidos pela Administração Pública.
Cumpre ressaltar que a usucapião extrajudicial ou administrativa não se trata
de nova modalidade de usucapião, mas sim, de procedimento administrativo
realizado diretamente nas serventias extrajudiciais para o reconhecimento da
posse e aquisição da propriedade, através do preenchimento dos requisitos
legais exigidos.
Conforme João Pedro Lamana Paiva (PAIVA, 2016), busca-se com o novo
procedimento principalmente a celeridade, pois diferentemente dos processos
judiciais que se arrastavam por anos a fio nos tribunais brasileiros, estima-se
uma duração aproximada de 90 a 120 dias, desde que preenchidos todos os
requisitos do art. 216-A.
Para Paiva (PAIVA, 2016), o grau de simplicidade que reveste o procedimento da
usucapião extrajudicial implicará numa maior facilidade para que o
possuidor/usucapiente consiga, de modo efetivo, seguir com a aquisição da
propriedade imobiliária fundada na posse prolongada, desde que se encontrem
preenchidos os requisitos essenciais descritos no procedimento, quais sejam:
ser o usucapiente representado por um advogado, apresentação de requerimento
instruído com ata notarial, planta e memorial descritivo do imóvel, certidões
negativas, além de outros documentos.
Segundo o que consta no inciso II do artigo 216-A da LRP, deverão também ser
providenciados a planta e o memorial descritivo do imóvel, bem como deverão ser
anexados documentos que fundamentem o pedido. Sobre o memorial descritivo,
ensina Fábio Caldas de Araújo:
O memorial descritivo consiste em peça técnica exigida como documento essencial
na redação do art. 942 do CPC de 1973 e que tinha como função permitir a
formação da futura matrícula junto ao Registro Imobiliário. Por meio do
memorial se obtém a identificação precisa do local em que o possuidor pretende
exercer sua posse. O memorial deve conter a descrição da área usucapienda, seus
limites e confinantes. Como se trata de peça técnica, o memorial deve ser
assinado por profissional habilitado, o qual se responsabilizará pelas
informações espelhadas no documento (ARAÚJO, 2015, p. 430).
Juntamente com a planta e o memorial descritivo, por força do inciso III
do artigo 216-A da LRP deverão ser apresentadas no momento do requerimento as
“certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do
domicílio do requerente”.
Têm-se, por fim, o inciso IV, que descreve a necessidade do justo título ou
quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, continuidade e tempo da
posse, podendo a partir destes qualificar a posse como ordinária,
extraordinária ou especial.
A possibilidade de reconhecimento extrajudicial de usucapião já passou por
mudanças, mais precisamente com a edição da Lei Federal nº. 13.456, de 11 de
julho de 2017, a qual vem para sanar os antigos pontos controvertidos dispostos
no art. 216-A da Lei de Registros Públicos.
A principal mudança se refere à interpretação do silêncio de qualquer dos
possíveis prejudicados como concordância. Os possíveis prejudicados seriam o
proprietário e outros “titulares de direito registrados ou averbados na
matrícula do imóvel usucapiendo” e “na matrícula dos imóveis confinantes”,
conforme dispõe o § 2º do art. 216-A da Lei de Registros Públicos.
Outra mudança apresentada pela lei a quando as partes interessadas não são
encontradas ou encontram-se em local incerto ou não sabido. A partir da nova
previsão, o registrador deverá certificar o fato e promover a notificação por
edital mediante publicação, duas vezes, em jornal de grande circulação, por
quinze dias cada (§ 13) ou por meio eletrônico (§ 14) interpretando a ausência
de resposta como concordância.
Para Flávio Tartuce (TARTUCE, 2017), a nova valoração dada ao procedimento
extrajudicial da usucapião, trazida pela lei 13.465/2017, tem o condão de
transformar àqueles que antes eram céticos em crentes, quanto ao poder que a
desjudicialização do procedimento tem para contribuir para o reconhecimento
mais célere e eficaz de um direito que emerge da posse prolongada no tempo e
que reflete para a sociedade a certeza de que o possuidor é realmente o
proprietário do imóvel que não cumpre a sua função social.
Conclusão
O processo de desjudicialização emerge no cenário jurídico
nacional como uma possível solução para o caos no judiciário, gerado pela
grande quantidade de processos. Por esse motivo, a utilização das serventias
extrajudiciais poderia possibilitar que o Judiciário se ocupe com as questões
que efetivamente justifiquem sua atuação.
O procedimento extrajudicial da usucapião para todas as modalidades foi
introduzido no ordenamento jurídico pelo Código de Processo Civil de 2015, em
seu artigo 1.071, que por sua vez inseriu o Art. 216-A na Lei de Registros
Públicos.
A Lei 13.465/2017 surgiu para sanar os pontos controvertidos no art. 216-A da
LRP. A principal mudança se referiu à interpretação do silencio de qualquer um
dos possíveis prejudicados como concordância, suprimindo assim a principal
queixa do procedimento original e abrindo novas esperanças a efetividade do
procedimento. Outras mudanças se referem a possibilidade da notificação ser
feita por edital e a desnecessidade de notificar os confinantes das unidades
autônomas de condomínios edilícios. Sendo assim, o procedimento da usucapião
seria muito mais célere, desafogando o judiciário e resolvendo a demanda
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Fonte: Âmbito Jurídico