Segurança da informação, tratamento de dados e economia
digital foram os temas discutidos no encerramento do primeiro dia do seminário
internacional Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD): a caminho da efetividade.
O evento, que teve início na manhã desta segunda-feira (27), continua amanhã no
auditório do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Mediado pelo ministro do STJ Paulo de Tarso Sanseverino, o
terceiro painel do dia abordou o tema “Legitimação para o tratamento de dados:
dilemas do consentimento e do legítimo interesse”. A primeira palestrante,
Veridiana Alimonti, analista sênior de políticas públicas para a América Latina
da Eletronic Frontier Foundation (EFF), falou sobre a autodeterminação
informacional, que, segundo ela, é o elemento central do desenvolvimento da
disciplina de proteção de dados, sendo um dos fundamentos da Lei Geral de
Proteção de Dados.
Para a analista, é necessário que o indivíduo possa
autodeterminar a circulação e o fluxo das informações sobre ele. “Mesmo
informações conhecidas ou de acesso público devem ser objeto de controle e
proteção. Proteção não significa necessariamente ocultar as informações sob
segredo, mas estabelecer mecanismos de regulação do fluxo dessa informação e
instituir procedimentos de controle”, disse.
Em seguida, o professor e fundador do Data Privacy Brasil,
Bruno Bioni, abordou as perspectivas e os desafios do consentimento – um dos
instrumentos para a proteção de dados. Segundo ele, com a maior complexidade do
cenário atual e o grande número de interessados em usar dados pessoais, é
preciso achar uma maneira para que o consentimento seja menos contratualizado e
mais livre, a partir do fornecimento de informações ao indivíduo sobre como
seus dados serão usados.
Ao tratar do legítimo interesse e da construção de critérios
delimitadores, o professor da FGV Marcel Leonardi observou que, durante os
debates de formulação da LGPD, uma das preocupações foi a de que o conceito não
fosse entendido como um cheque em branco para o uso de dados pessoais. Assim,
explicou, a lei permite à autoridade nacional solicitar um relatório de impacto
de proteção de dados toda vez que o tratamento tiver base nesse critério.
Segundo ele, isso traz “maior segurança jurídica para o setor privado
desenvolver negócios que lidam com dados pessoais”.
O professor de direito da Universidade de São Paulo (USP)
Otavio Luiz Rodrigues falou sobre os dilemas do direito da personalidade e do
regime de proteção de dados. Para isso, dividiu sua exposição em quatro partes:
direitos fundamentais e direitos da personalidade; a existência ou não de um
direito fundamental da proteção de dados; os direitos da personalidade e da
proteção de dados, e os diferentes regimes jurídicos sobre o mesmo fato
gerador. Sobre esse último ponto, defendeu a prevalência dos conceitos da LGPD,
inclusive no tocante aos direitos da personalidade, quando se referir ao objeto
específico da lei.
Segurança da informação
O ministro do STJ Ribeiro Dantas presidiu a mesa do painel
sobre “Segurança da informação, privacy by design e relatórios de impacto: um
debate sobre a relação entre direito e tecnologia”. Na apresentação feita pelo
professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília Alexandre
Veronese, analisou-se o modelo esquemático do blockchain (protocolo de
confiança) e sua relação com a segurança das operações feitas via internet.
O professor destacou a relação conceitual entre
confiabilidade técnica, social e jurídica e como esses conceitos se relacionam
com o modelo básico de um sistema blockchain e seus riscos sistêmicos. Ele
exemplificou alguns casos, como a violação de códigos-fonte, de protocolo
wallets e o uso do modelo para hackear redes de criptomoedas, como a bitcoin.
“Quando olhamos para a tecnologia, é possível ver falhas
efetivas e falhas sociais. O blockchain é muito interessante, mas é preciso
olhar para a tecnologia, não como revolução, mas com calma, para identificar
mudanças no panorama. De certa maneira, tudo muda para continuar o mesmo”,
afirmou Veronese.
A diretora de serviços de telecomunicações do Ministério da
Ciência e Tecnologia, Miriam Wimmer, falou sobre as correlações entre os
conceitos da segurança da informação e a proteção de dados pessoais. Segundo
ela, os sistemas normativos devem ser organizados para uma melhor regulação da
área.
“Os dados precisam ser protegidos, independentemente de
serem públicos ou privados. Mesmo um dado tornado público pelo seu titular deve
ser protegido, deve ser tratado com base em fundamentos legais de proteção.
Essa mudança de paradigma de uma liberdade negativa, do sigilo, para um direito
positivo, calcado na ideia da autodeterminação informativa, tem a ver com
mudança tecnológica e com as possibilidades da tecnologia”, ressaltou.
Privacidade
O diretor jurídico do Google Brasil, Daniel Arbix,
apresentou o programa de privacidade da empresa, que é baseado em quatro
pilares: escolhas sobre a privacidade, controle, transparência e segurança.
Segundo ele, o Google trabalha para garantir a primazia do direito à
privacidade aos seus usuários.
Daniel Arbix destacou que a proteção dos dados dos usuários
é objeto de enormes e permanentes esforços do Google, e a inovação precisa ser
compatível com a privacidade. Ele frisou que o privacy by design na empresa é
construído para a proteção de dados pessoais, assegurando a transparência nos
processos para os usuários dos produtos, com limites para o tratamento de dados
pessoais, inclusive para a retenção de informações.
O gerente de relações governamentais e assuntos regulatórios
da IBM no Brasil, Andriei Gutierrez, sustentou que a inteligência artificial, a
ética e a produção de dados estão totalmente relacionadas com a revolução
digital mundial que aconteceu nos últimos dez anos.
“Estamos construindo uma nova sociedade movida a dados,
suplantando os pilares de uma sociedade moldada à luz da Revolução Industrial.
É preciso identificar esse desafio, essa revolução, que é muito rápida. Temos
um desafio e uma responsabilidade muito grandes, de discutir qual modelo de
sociedade queremos. E isso passa por uma regulação precisa e equilibrada para
trazer segurança jurídica para a inovação”, disse.
Para Andriei Gutierrez, existem inúmeras vantagens de usar
as técnicas de inteligência artificial, nos mais diferentes níveis. Ao
concluir, ele observou que os sistemas que usam a inteligência artificial devem
ser auditáveis, competitivos e justos.
Economia digital
O último painel do dia, mediado pelo ministro Gurgel de
Faria, foi dedicado ao debate sobre economia digital, proteção de dados e
competitividade. O painel foi aberto pelo secretário nacional de Defesa do
Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Luciano Timm, que
apresentou as conexões entre os sistemas de proteção ao consumidor e de proteção
de dados.
Segundo o secretário, as normas brasileiras de proteção ao
consumidor são vistas como um exemplo internacional de sucesso, mas foram
pensadas para o mercado consumidor do Século XX, e não para o contexto atual de
economia digital. “O nosso direito do consumidor deve ser repensado”, afirmou
ao lembrar que o consumidor também é, potencialmente, a principal vítima de
ilicitudes cometidas na era digital, como o vazamento de dados.
Ao apontar os próximos desafios do setor, Luciano Timm
destacou a necessidade de redesenhar a amplitude dos direitos consumeristas no
mundo digital, a exemplo dos direitos individuais no acesso à internet das
coisas. Para o secretário, também é necessário haver coordenação entre os
diferentes órgãos responsáveis pela proteção de dados no Brasil.
Na sequência, o presidente executivo da Associação
Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom),
Sérgio Gallindo, lembrou que a LGPD foi construída a partir de princípios
norteadores da proteção de dados, o que é de extrema importância no caso de
temas ligados à informática, já que evita que a lei possa ser superada
prematuramente. Gallindo também ressaltou que a lei cria um “léxico novo”, com
diferenciações relevantes entre o conceito de dados pessoais e dados anônimos,
além da definição de papéis como o de controladores e operadores.
Com a proximidade do início da vigência da lei, em 2020, o
presidente executivo da Brasscom destacou como desafio o desenvolvimento de
confiança social em relação à LGPD e ao tratamento de dados, sendo necessária a
transparência em relação aos dados públicos. Ele também assinalou a importância
das campanhas de comunicação, para que cada cidadão possa decidir nas situações
de cessão de dados.
Novo código
O diretor jurídico da Federação Brasileira de Bancos
(Febraban), Antonio Carlos Negrão, disse que a LGPD é, na realidade, uma
espécie de “novo código”, com tamanho semelhante ao do Código de Defesa do
Consumidor, o que exigirá esforços para a interpretação de seus comandos. Ele
alertou sobre a possibilidade do surgimento de novas demandas indenizatórias, a
exemplo dos inúmeros casos judiciais relativos ao credit scoring, questão que
só foi definitivamente decidida após julgamento do STJ.
Em sua exposição, o diretor jurídico da Febraban apresentou
16 princípios do tratamento de dados para controladores e operadores, como a
prevenção da ocorrência de danos, a responsabilização e a prestação de contas,
além da revisão humana das decisões automatizadas. Negrão também ressaltou as
providências que já têm sido tomadas pelos bancos no período de 24 meses da
vacatio legis da LGPD – como a categorização de dados, a adequação de
documentos e o atendimento de pedidos realizados pelo titular dos dados.
O encerramento do último painel do dia ficou a cargo da
gerente para assuntos regulatórios do Grupo Globo, Andreia Saad. Ela afirmou
que, quando a LGPD foi publicada, percebeu inicialmente no meio empresarial um
sentimento generalizado de negação à efetividade da lei; depois, de pessimismo
em relação aos custos para adequação às normas; e, finalmente, de ansiedade em
virtude da proximidade de início de sua vigência.
Segundo Saad, de fato, para adequação à legislação, são
necessários tempo e custos importantes. “Quem não estiver disposto a realizar
esses custos de adequação estará sujeito a riscos importantes, como a perda de
reputação”, declarou.
Ao mesmo tempo, Andreia Saad apresentou uma visão positiva
em relação às oportunidades trazidas pela nova lei. Além da segurança jurídica,
a diretora sublinhou que ela permite que as empresas mapeiem seu próprio fluxo
de dados, identificando inconsistências e criando oportunidades de otimização
de processos internos. Para ela, também é possível enxergar os compromissos de
proteção de dados como um potencial diferencial competitivo.
Fonte: STJ