Todo mundo já ouviu falar de alguma família que parece
aquela de um comercial de margarina: feliz e sem problemas. Mas até os mais
felizes parentes se desentendem quando o assunto herança vem à tona. Quando um
ente querido falece e não deixa instruções claras de como desejava distribuir
seu patrimônio por meio de um planejamento sucessório adequado, vários são os
problemas que podem ser trazidos à tona no seio de uma construção familiar.
O planejamento sucessório existe exatamente para quem tem a herança deixar bem
claro qual destino deseja que os seus bens tenham após a sua morte, ajudando a
evitar longos litígios judiciais e brigas familiares. Ao contrário do que se
pensa, planejar e colocar em prática o plano de sucessão não significa perder
poder ou patrimônio, mas sim dar cumprimento à sua vontade quando não mais
estiver presente.
Mas então o que é o planejamento sucessório? Nas palavras do professor de
Direito e tabelião honorário, Zeno Veloso, o planejamento sucessório é um ato
de amor. “O nome diz por si próprio. Como quem diz eu te amo, não há
necessidade de explicações. Mas é bom perguntar para saber qual a intensidade
do amor, quando começou, se está progredindo, e etc. O planejamento sucessório
é uma forma de se estruturar, de se organizar de forma eficiente e inteligente
o patrimônio de determinada pessoa”, declara Veloso.
A advogada especialista em Direito de Família e Sucessão, Ivone Zeger explica
que o planejamento sucessório é tudo aquilo que o autor de um patrimônio,
aquele que o detém, seja do tamanho que for, deixa destinado. “Quando a pessoa
tem algum tipo de bem, e tem a preocupação com os seus herdeiros, a coisa mais
importante a fazer é se planejar. É uma das coisas mais inteligentes que
reputo, e é uma das coisas que você pode fazer sozinho, não precisa da
aprovação de ninguém. O planejamento sucessório serve exatamente para aquela
pessoa que gostaria de deixar o seu patrimônio bem esquematizado. Deixa claro
para quem vai, de que forma, e como será feito”, comenta.
Toda essa organização é a união de atitudes e ações que são realizadas por
alguém que tenha como propósito dispor sobre o destino dos seus bens. Ou seja,
a pessoa, de maneira voluntária e consciente, deixa destinado o patrimônio que
construiu por toda a vida.
De acordo com a doutora e mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ), Ana Luiza Maia Nevares, o planejamento sucessório
consiste em um conjunto de medidas executadas com o objetivo de definir a
transmissão hereditária de bens e direitos de uma pessoa previamente ao seu
falecimento. Tais medidas podem ter diversas naturezas: cível, tributária e
societária.
Há diversas formas de realizar esse ato. É possível realizar um testamento,
fazer uma holding familiar ou então optar por efetuar uma doação em vida. Para
realizar a escolha, é necessário levar em conta quais são os tipos de
patrimônio e qual a melhor forma de estruturar o seu planejamento.
De longe o testamento é o mais escolhido para se deixar claro o destino dos
bens de alguém. Na base da Central Notarial de Serviços Eletrônicos
Compartilhados (CENSEC), central administrada pelo Colégio Notarial, há mais de
700 mil testamentos cadastrados desde 1970. De 2007 a abril de 2019 foram
realizados 340.934 testamentos em Tabelionatos de Notas, sendo que o Estado de
São Paulo foi aquele com a maior quantidade de atos praticados no período:
98.620. Em seguida está o Rio Grande do Sul, com 49.879 atos em Tabelionatos de
Notas, seguido por Minas Gerais, com 49.144.
“O testamento público realizado em um Tabelionato de Notas te proporciona
garantia por ser feito pelo tabelião, que tem fé pública e tudo aquilo que
estiver contido lá será recepcionado pelo Poder Judiciário com outra visão. Há
mais de 15 anos eu já falava da importância de fazer o testamento com um
tabelião, então as pessoas começaram a entender. É a única coisa que você pode
fazer individualmente”, acrescenta Zeger.
Segundo o juiz de Direito em São Paulo, Alberto Gentil de Almeida Pedroso, o
ganho na elaboração do testamento em companhia do notário é extraordinário.
“Trata-se de técnico jurídico altamente preparado, que prestará assessoramento
jurídico, orientado pelos princípios e regras de Direito, pela prudência e pelo
acautelamento, na busca do melhor atendimento aos anseios do testador”, diz o
magistrado. “Além de explicar detalhadamente a acomodação patrimonial
arquitetada pelo disponente, o tabelião apresentará os impactos tributários e
demais circunstâncias de indispensável conhecimento para o leigo. Reforço que o
papel do tabelião é identificar os desejos do testador e traduzi-los da maneira
mais eficiente, instrumentalizando suas vontades de maneira jurídica para
geração de efeitos após a sua morte”, relata Gentil.
Para o advogado especialista em Direito Privado, Frederico José de Britto
Leite, há várias espécies de testamento, mas indiscutivelmente é a forma
pública aquela que mostra mais eficiência. “Lavrado perante o tabelião, este
testamento traz consigo a segurança que os demais (particulares, cerrados ou
marítimos, por exemplo) não têm. Salvo quando se põe diante de situação que não
se permite a forma pública, não usar o testamento público seria o mesmo que dar
oportunidade a dúvidas, expor-se a um risco desnecessário e incompatível com o
planejamento da sucessão”, comenta Leite.
Já para o juiz titular da 32ª Vara do Trabalho de Salvador (BA), Rodolfo
Pamplona Filho, o testamento público, por ser um ato personalíssimo manifestado
pessoalmente pelo interessado perante um Tabelião de Notas, profissional
detentor de fé pública, traz maior segurança jurídica de que a última
manifestação de vontade do titular da herança seja cumprida.
“Uma vez cumpridas as formalidades legais, ou seja, idade mínima de 16 anos,
capacidade plena e declaração de vontade livre manifestada perante o Tabelião
de Notas, o testamento público, diferentemente do testamento particular, é mais
seguro, especialmente porque sua existência permanece registrada no Registro
Central de Testamentos (RCTO), que deve ser obrigatoriamente consultado, na
ocasião da abertura do inventário”, conta Filho.
Nos Estados Unidos, o escritório de advocacia Rocket realizou uma pesquisa
sobre a quantidade de americanos que fazem testamento. O levantamento apontou
que 64% dos norte-americanos não possuem o documento para demonstrar a última
vontade. A taxa é de 70% entre os cidadãos de 45 a 54 anos. No País, a lei
permite que o Estado taxe heranças, caso o autor da herança não tenha deixado
nenhum herdeiro direto.
Prevenindo litígios
Além da segurança e fé pública que o testamento público pode trazer, evitar
litígios também é uma consequência do ato. Quem manifesta a sua última vontade
através do instrumento, muitas vezes, poupa discussões entre os familiares, que
às vezes podem durar anos no Poder Judiciário.
A doutora Ana Luiza Maia Nevares explica que como o testamento expressa a
última vontade da pessoa falecida, evitam-se conflitos quanto à divisão dos
bens e/ou o destino do patrimônio de uma pessoa. “Os herdeiros devem, assim, se
conformar com a vontade testamentária manifestada e, então, litígios poderão
ser evitados. Em boa hora, a maior parte dos nossos Tribunais admite a
lavratura de inventários extrajudiciais mesmo se houver testamento, desde que
haja autorização judicial para tanto, o que, sem dúvida, visa desafogar o Poder
Judiciário”, explica Nevares.
De acordo com Zeno Veloso, o testamento é uma forma da pessoa dizer como quer
que se dividam os seus bens após a sua morte. Mas essa liberdade no Direito
brasileiro, também não é absoluta. “Ao contrário do que acontece com algumas
sucessões no sistema anglosaxão, como na Inglaterra, Estados Unidos e países
que seguem esse sistema, onde a liberdade é quase total, mas é muito mais ampla
que a nossa. E como é a nossa? Nós temos o princípio da liberdade, mas de forma
relativa, porque aqui nós temos o instituto do herdeiro necessário, que sempre
fica com metade dos bens da herança. Toda pessoa que tem herdeiro necessário
tem que reservar metade da herança para este”, argumenta Veloso.
Segundo o advogado Frederico José de Britto Leite, como o testamento é a
declaração de última vontade do autor da herança, funciona como o guia do qual
não se pode fugir. “Além de ser um finíssimo filtro nas discussões postas por
sucessores beligerantes, atua como limitador destas mesmas discussões, e em
alguns casos, como excludente das querelas de um inventário e partilha de bens.
Mas não podemos dizer que, necessariamente, evita litígios, se usado com o
significado de que ele exclui sempre o dissenso. O testamento, especialmente o
público, lavrado em Tabelionatos, evita as delongas do litígio, torna as
discussões mais objetivas e alvo de decisões mais rápidas, e também por isso
impede lesões ao patrimônio herdado”, declara Leite.
Como fazer o planejamento sucessório?
Antes de tudo, é necessário avaliar quais tipos de bens e patrimônios a pessoa
possui. O planejamento sucessório ideal é muito individual. Alguém que possui
apenas uma casa, não vai ter a mesma escolha que uma pessoa que tem várias empresas,
alguns imóveis e uma grande quantia de dinheiro.
“Em primeiro lugar é preciso se cercar de pessoas balizadas para que elas
possam de verdade te ajudar. Evidentemente eu digo isso porque você precisa de
especialistas na área do Direito de Família, na área do Direito Sucessório e,
se possível, na área do Direito Tributário. Essas são as figuras mais
importantes para que se possa fazer verdadeiramente um planejamento ideal
daquele patrimônio que a pessoa tem e quer deixar”, comenta Ivone Zeger.
De acordo com a advogada, muitas vezes o autor da herança precisa fazer uma
série de modificações, tais como: alterar o tipo de empresa que a pessoa tem
por conta daquilo que ela quer deixar; modificar contratos sociais em relação a
sócios, em relação a participações; fazer modificações das cláusulas que a lei
permite, como a incomunicabilidade, impenhorabilidade e a ineabilidade.
“Então são cláusulas que você pode utilizar para fazer com que o cônjuge ou os
filhos tenham ou não venham a ter restrições, os netos também. É possível
colocar cláusulas para que eles só possam assumir a direção, gerência, e uma
série de questões, como por exemplo, que um neto só pode assumir a empresa se
tiver uma formação superior”, relata Zeger.
Já o advogado Frederico José de Britto Leite explica que a melhor forma de
fazer o planejamento sucessório é a que mais se sintoniza com o autor da
herança, e para este fim, o autor da herança precisará conhecer as ferramentas
legais disponíveis na legislação brasileira e a sua melhor aplicação ao caso em
estudo.
“Trata-se, como se percebe, de algo que tem um subjetivismo elevado, mas há um
fator que é puro e tão somente objetivo: quando iniciar? Diríamos que quanto
mais cedo tem início, mais eficaz tende a ser. Vale ressaltar, ainda, que mesmo
havendo mutação no patrimônio sobre qual incidiu o planejamento, como por
exemplo quando se processa a troca de ativos (imóveis por dinheiro ou vice e
versa, ou, a venda de uma participação em uma sociedade que se traduz em
recursos financeiros), o que foi idealizado remanescerá: o princípio escolhido
pelo autor da herança”, declara o advogado.
Para o juiz Alberto Gentil, a compreensão do modelo ideal passa por uma
verificação de perfil do disponente e seus interesses na organização
patrimonial post mortem. Assim, existem inúmeros instrumentos de planejamento
sucessório – com objetivos diversos e que melhor podem acomodar o interesse
pretendido, inclusive no tocante à carga tributária incidente.
“Exemplificando: a escolha do regime de bens no casamento ou na união estável
(que além de gerar efeitos patrimoniais ao longo do matrimônio/convivência
também proporcionará consequências jurídicas sucessórias após a morte de
qualquer dos nubentes). Vale lembrar que além dos modelos tradicionais de regime
de bens do Código Civil, ainda admite-se a construção de regime de bens atípico
(para atendimento das especificidades dos envolvidos)”, explica o magistrado.
“É possível a constituição de sociedades, caso das holding familiares –
idealizadas e construídas para a administração e até partilha de bens no
futuro. Também há a realização de atos de disposição em vida, como as doações –
com ou sem reserva de usufruto – e post mortem, com a feitura de testamentos,
inclusive com as cláusulas de incomunicabilidade, impenhorabilidade e
inalienabilidade. Ou então a efetivação de partilhas em vida e de cessões de
quotas hereditárias após o falecimento. E por último a contratação de
previdências privadas abertas, seguros de vida, além de diversos outros fundos
de investimentos com a precípua finalidade por parte do disponente de
acomodação patrimonial post mortem”, finaliza.
Holding familiar
Dentro do planejamento sucessório, há quem escolha fazer uma holding familiar.
Ela funciona como uma empresa que possui todos os patrimônios dos membros de um
grupo, assegurando a transferência de bens entre os sócios de acordo com as
cláusulas estabelecidas no contrato.
“Holding familiar é uma das formas, porém não a única, de planejamento
sucessório, ao lado dos testamentos, das doações, com ou sem reserva de
usufruto, com cláusula de reversão ou com cláusulas de inalienabilidade,
impenhorabilidade e/ou incomunicabilidade, dentre outras”, explica a diretora
coordenadora do Notariado Jovem do Brasil e membro da Comissão do Notariado
Jovem na Comissão de Assuntos Americanos da União Internacional do Notariado,
Débora Fayad Misquiati.
“O termo holding serve para designar uma empresa que detém como uma das
finalidades básicas a participação acionária – ações ou cotas – de outas empresas.
Holding familiar, simplificando, é uma pessoa jurídica que representa o
patrimônio de pessoas físicas, pertencentes a um grupo familiar, que detenham
bens e direitos, podendo ser constituído por bens imóveis, participações
societárias, entre outros”, completa.
Segundo a diretora, no caso da holding familiar, constitui-se um tipo
societário – o que melhor se enquadrar na situação apresentada (definida em
face do objeto social que explora) – com a finalidade de controlar e proteger o
patrimônio familiar para fins de planejamento sucessório (com a holding
familiar é possível que genitores confiram todo o patrimônio pessoal à
sociedade, podendo ocorrer a doação das quotas ou ações em favor dos
sucessores, evitando um futuro inventário), a continuidade dos negócios, como
também a diminuição de custo tributário, além de outras.
“Uma das vantagens em constituir uma holding familiar por sociedade simples é
que a integralização do capital social pode se dar por meio de prestação de
serviços. Apesar de normalmente o capital social da holding ser integralizado
no momento de sua constituição, se um membro da família não possuir bens,
poderá integralizar o capital social com seu trabalho. A constituição de uma
holding familiar, assim como a de uma holding patrimonial – uma administradora
de bens próprios – não só pode como deve ser feita por instrumento público
notarial (escritura pública). O notário a serviço das relações jurídico
-privadas, recebe uma delegação do Estado para redigir documentos dotados de fé
pública. Como jurista, exerce função assessora, de assistência, conselho e
formação da vontade das partes e da adequação ou conformação daquela vontade ao
ordenamento jurídico”, explica Débora Misquiati.
De acordo com a tabeliã, quem melhor que um notário para instrumentalizar, por
exemplo, um contrato social de uma holding patrimonial, constituída sob a forma
de sociedade limitada, que integraliza seu capital social com bens imóveis, com
o objetivo de facilitar a gestão destes bens e gerar benefícios fiscais e
sucessórios? O notário é um profissional de direito que trabalha essencialmente
com bens imóveis, envolvendo direito contratual, sucessório e familiar, que tem
conhecimento aprofundado da legislação civil, permitindo que este instrumento
circule na sociedade com segurança jurídica e isento de vícios, possibilitando
a previsão, de forma clara, nas cláusulas do instrumento de constituição da
sociedade das mais diversas peculiaridades de cada grupo familiar e até mesmo
prevendo eventuais divórcios e saída de sócios, facilitando a circulação de
riquezas e continuidade dos negócios familiares.
“Iniciamos o procedimento com uma entrevista com as partes, para entender o que
elas pretendem – deve-se realizar um criterioso estudo do caso concreto e dos
objetivos de cada envolvido -, para, então, informarmos os possíveis caminhos e
forma como cada um se efetiva, suas vantagens e desvantagens. Nesses casos,
além dos documentos que titularizam a propriedade de um bem, como as matrículas
atualizadas, no caso de imóveis, as certidões de valores venais e de débitos
tributários, cabe uma análise da declaração de Imposto de Renda dos envolvidos.
Como todo ato notarial, o instrumento passará por uma qualificação subjetiva
(análise dos documentos pessoas dos envolvidos e objetiva)”, comenta a
diretora.
Conforme explica o juiz Rodolfo Pamplona Filho, da 32ª Vara do Trabalho de
Salvador (BA),é importante ressaltar que a opção pela criação de uma holding
familiar não exclui a possibilidade de elaborar um testamento, documento apto a
deixar clara a manifestação da vontade voltada à disposição de bens do autor da
herança, no ato da sua sucessão.
“A holding familiar é interessante, pois o fato de poder operar, atuar, e até
mesmo controlar diversas outras pessoas jurídicas, pertencente a um mesmo grupo
familiar, evitando dissensões familiares individuais internas que prejudiquem a
atividade econômica de todo o conjunto econômico familiar. Além de reduzir
significantemente o risco de desentendimento em relação à partilha dos bens
herdados, a instituição da holding familiar otimiza a continuidade dos
negócios; a proteção patrimonial; a redução dos tributos incidentes sobre a
transferência de bens aos herdeiros, bem como garante a redução de custos e
tempo com a elaboração de inventário”, comenta Filho.
Segundo o juiz, no caso da holding familiar, portanto, a morte do autor da
herança não terá grandes impactos na condução do negócio, pois as tarefas já
estão previamente distribuídas entre os parentes herdeiros. No tocante à
economia tributária – um dos maiores atrativos deste tipo de planejamento
sucessório – a constituição de uma holding para administração patrimonial
familiar poderá propiciar a incidência de uma carga tributária muito menor em
relação àquela aplicada às pessoas físicas, considerando-se as quotas sociais e
não os bens isoladamente.
De acordo com o advogado Frederico Leite, as holdings, sejam ela familiares ou
não, são sociedades empresariais como outra qualquer. “O que as diferencia é a
finalidade para qual foram constituídas (ou, o seu objeto social): controlar um
patrimônio que pode estar representado por ações ou quotas de outras
sociedades, ou outros bens de espécie diversa. Sendo assim, e independentemente
de seus sócios serem de uma mesma família, elas podem sim ser constituídas por
instrumento particular ou público”, relata o advogado.
De acordo com Leite, as regras básicas que se aplicam à criação de uma holding
são sempre as mesmas, independentemente de se usar a forma particular ou a
pública para redigir o contrato social (identificação dos sócios, nome da
sociedade e seu endereço, prazo de vigência, indicação e avaliação dos bens que
comporão o seu capital, etc).
“Mudam de conteúdo algumas regras que refletem o perfil da família que a
constituiu (como será a sua gestão, a distribuição de resultados/dividendos, a
entrada de novos sócios e saída dos que assim o desejarem, dentre outras que
revelam o modo de vida empresarial pretendido pela família).
Importante dizer, porém, que a forma pública se diferencia positivamente, pois,
como as regras da holding serão informadas a um tabelionato de notas, o
instrumento resultante já nasce dotado de fé pública, imprimindo maior
segurança à pretendida exatidão do que nele se contém e declara. Uma vez
lavrado o ato, o cartório emite o respectivo traslado para subsequente
arquivamento na Junta Comercial competente, formalizando a criação da pessoa
jurídica, e de onde segue para os demais registros competentes, a exemplo do
Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas e da inscrição municipal”, acrescenta
Leite.
Para o advogado, as holdings ainda são pouco conhecidas no Brasil e, certamente
por isso, menos usadas. Em países como Estados Unidos, Luxemburgo, Áustria e
Inglaterra, mesmo dispondo de outros meios legais de uso assemelhado, como o
trust, utiliza-se das holdings com maior frequência.
“Atos como a constituição de uma holding familiar, dentre tantos outros atos da
vida civil, revelam circunstâncias personalíssimas e muito sensíveis.
Expressá-los de modo claro e inteligível para o cliente é uma tarefa que
demanda precisão técnica e terminológica, e exatidão na transcrição da
expressão de sua vontade. Se associamos estes elementos (complexidade da
linguagem jurídica, que é naturalmente formal e ainda latinizada em razão de
suas origens, e clareza) é fácil entender que não se trata de uma tarefa
simples. Sendo assim, a despeito da lei facultar a alguns destes atos de
vontade a utilização da forma particular, parece-nos que a prudência sugere
utilizar escrituras públicas, pois, uma vez submetidos a esta formalidade,
estão excluídas, por exemplo, e desde o início, futuras alegações de coação, ou
má compreensão do que está transcrito no documento, estes dois incidentes que
podem dar lugar à alegação do que Direito Brasileiro denomina Vício de
Vontade”, destaca Leite.
Sobre as diferenças entre optar por fazer um testamento ou uma holding
familiar, Alberto Gentil acredita que apesar de ambos os institutos serem
exemplos de instrumentos de planejamento sucessório há sensível distinção entre
eles. “A holding familiar é uma criação jurídica, uma empresa – constituída nos
termos da lei – que detém o controle patrimonial de uma ou mais pessoas físicas
de uma mesma família com bens e participações societárias em seus nomes – ou seja,
o patrimônio é gerenciado e administrado por uma sociedade composta pelos
membros da família. A idealização de uma holding exige dentre outros aspectos
uma organização de gestão administrativa, tributária, fixação de
responsabilidade dentre os sócios, e etc”, declara Gentil.
Já o testamento, para o juiz, é um instrumento de materialização da última
vontade do testador (toda pessoa capaz – artigo 1857 do Código Civil) no
tocante a totalidade dos seus bens ou de parte deles para depois de sua morte.
Vale lembrar que o testamento pode conter manifestações de vontade de conteúdo
não econômico, conforme dispõe o artigo 1857, parágrafo 2º.
Para Ivone Zeger, não há diferença entre se optar por fazer um testamento ou
uma holding familiar, já que são coisas que podem ser feitas individualmente e
também podem ser complementares. “Evidentemente, uma holding familiar vai
acontecer quando você tem um patrimônio que autorize o autor, o detentor desse
patrimônio a ter essa possibilidade de destinar aquilo que ele tem para quem
ele quiser. Diria que não tem uma diferença, são coisas que podem se
complementar, normalmente se complementam, mas vai depender do que o detentor
quer dentro da sua organização pessoal e patrimonial”, encerra Zeger.
Blindagem patrimonial
Outro termo bastante utilizado ao se falar em planejamento sucessório é a
blindagem patrimonial. Na teoria, o ato seria proteger um patrimônio de uma
pessoa física, que possui participação societária, e tem como objetivo evitar
que o patrimônio pessoal do sócio seja afetado por dívidas da empresa.
“Esta é uma expressão muito utilizada para definir providências que uma pessoa
adota visando assegurar que, dentre os bens que acumulou, tão somente aqueles
expostos a negócios podem ser alcançados por dívidas acaso derivadas do
insucesso empresarial. É um modelo de proteção patrimonial, que, a nosso ver,
ordinariamente se perfaz pela conduta empresarial, associada à utilização de
tipos societários como as limitadas e as anônimas, cujo capital esteja
integralizado com base em avaliação tecnicamente adequada”, explica o advogado
Frederico José de Britto Leite.
Segundo Leite, a blindagem patrimonial é, em última análise, a segregação de
bens que não devem se misturar com outros, expostos a risco empresarial. No
entanto, esta é uma providência que somente se mostra eficaz se adotada
enquanto não houverem dívidas vencidas. As holdings e patrimoniais são um bom
modelo para este fim, desde que observadas as condições aqui postas.
Ana Luiza Maia Nevares explica que a blindagem patrimonial consiste em medidas
adotadas para proteger o patrimônio de uma pessoa de intempéries econômicas,
sociais e familiares. “A meu ver, a designação não é a melhor, porque as
relações patrimoniais devem se submeter aos ditames legais. Assim, não se deve
pensar numa “blindagem” do patrimônio, mas sim em um planejamento jurídico
quanto ao destino dos bens que alcance o melhor resultado possível diante dos
objetivos de seu titular, a partir de instrumentos e mecanismos disponíveis e
previstos na legislação”, acrescenta Nevares.
Já para a advogada Ivone Zeger blindagem patrimonial não existe, pois seria
impossível blindar um patrimônio. “Não existe blindagem. Você não consegue
fazer com que o seu patrimônio fique totalmente fechado ou engessado. Há uma
série de condições e possibilidades para fazer com que não ocorram problemas,
mas a palavra blindagem é falaciosa e dá uma ideia errônea, equivocada. Para
aquele que deseja realmente fazer um planejamento sucessório, ela dá uma ideia
equivocada daquilo que verdadeiramente pode ser feito, do que verdadeiramente
as pessoas têm condições de fazer e podem fazer, com toda garantia e
segurança”, finaliza.
Fonte:
Anoreg/MT