Em alguns casos
mesmo os imóveis registrados em nome da Rede Ferroviária Federal S/A poderão
ser objeto de Usucapião (judicial ou extrajudicial)
USUCAPIÃO é uma
forma de aquisição da propriedade imobiliária, como aduz o artigo 1.238 do CCB.
Os bens móveis, como sabemos também podem ser adquiridos por Usucapião e o
Código Civil trata da aquisição deles no art. 1.260 e seguintes. Importa nesse
momento, ainda sobre a aquisição de bens imóveis via Usucapião relembrar os
requisitos que são base à toda forma de Usucapião e um caso específico que com
certa frequência nos deparamos: os imóveis pertencentes à extinta "Rede
Ferroviária Federal" - RFFSA, que por ocasião da Lei 11.483/2007 foram
transferidos à União Federal.
Inicialmente é
preciso ter em mente que os imóveis que pertencem à UNIÃO não são passíveis de
Usucapião, como decretam com clareza solar os § 3º do art. 183 e parágrafo
único do art. 191 da Constituição Federal vigente (além da inafastável Súmula
340 do STF): "Os imóveis públicos não serão adquiridos por
usucapião". Como matriz de toda espécie de Usucapião temos a tríade
"POSSE" (que deve ser qualificada), "TEMPO" (que é o
período exigido do exercício da posse qualificada) e "COISA HÁBIL"
(já que algumas coisas são imunes aos efeitos da Usucapião). Conforme as
espécies de Usucapião são descortinadas, outros requisitos são revelados, como
por exemplo a necessidade de JUSTO TÍTULO e BOA-FÉ - que, repetimos, são
aspectos irrelevantes e desnecessários em algumas modalidades.
Como se viu acima,
os bens da União não são passíveis de Usucapião, todavia, especificamente no
caso dos bens pertencentes à RFFSA (que hoje são titularizados pela União) não
é possível descartar a POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO já que, como aponta doutrina e
jurisprudência, uma vez completados os requisitos para a Usucapião ela se forma
e a aquisição se impõe, independentemente de Sentença para sua
"constituição", ou mesmo "registro" em Cartório. É que a
ocorrência da Usucapião se dá não com a "assinatura" de uma Sentença
Judicial ou mesmo com o Registro na Matrícula Imobiliária. Esses
"atos" judiciais ou extrajudiciais na verdade têm sua importância na
questão para outros efeitos porém passam longe de servir para a constituição da
aquisição do imóvel via usucapião: a aquisição se dá com a reunião dos
requisitos exigidos em Lei - tanto é assim que a sentença que reconhece a
aquisição por Usucapião é de natureza inequivocamente DECLARATÓRIA - como
ensina o Especialista, Advogado e Desembargador Aposentado, Dr. BENEDITO
SILVÉRIO RIBEIRO (Tratado de Usucapião. 2012):
"A Sentença
proferida no processo de Usucapião tem cunho DECLARATÓRIO. Não busca o
usucapiente tornar-se proprietário, CONDIÇÃO QUE JÁ DETÉM, seu objetivo é a
declaração formal dessa qualidade, com a SEGURANÇA necessária [que só o RGI
pode oferecer] e os efeitos da coisa julgada. (...) Não há direito constituído
em favor do prescribente, mas sim declaratório preexistente da propriedade,
cuja aquisição terá ocorrido com o perfazimento dos REQUISITOS assinalados em
lei".
Na hipótese em que
o preenchimento dos requisitos exigidos para a aquisição por Usucapião tenham
ocorrido antes da incorporação dos bens da Sociedade de Economia Mista (Rede
Ferroviária Federal - RFFSA) poderá ser viável e reconhecida a propriedade em
favor do particular (com base inclusive no inciso II do par.2º do art. 173 da
mesma CF) e tudo isso precisa ficar cabalmente comprovado no processo de
Usucapião (ou no procedimento extrajudicial de Usucapião perante o Cartório,
caso a via extrajudicial seja escolhida, nos moldes do art. 216-A da Lei de
Registros Públicos c/c Provimento CNJ 149/2023).
Uma vez
preenchidos os requisitos até efetivamente a data de 22/01/2007 - e não sendo
afetados os bens em questão à prestação de serviço público ferroviário - haverá
possibilidade de aquisição por usucapião, ainda que no RGI o imóvel ainda
conste em nome da RFFSA. Dessa forma, com toda prudência que deve permear a
análise de todos os casos de regularização imobiliária - e com muito mais razão
aqueles que envolverem imóveis ainda constantes em nome da RFFSA - não parece
prudente descartar a possibilidade de Usucapião para tais bens, como inclusive
sinaliza a jurisprudência do TRF da 4ª Região:
"TRF-4.
5000075-56.2016.404.7109. J. em: 08/06/2016. ADMINISTRATIVO. USUCAPIÃO. IMÓVEL
DA EXTINTA RFFSA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE DESDE QUE
PREENCHIDOS OS REQUISITOS. CASO CONCRETO. EXERCÍCIO DA POSSE ANTES DA
INCORPORAÇÃO DOS BENS À UNIÃO. MP Nº 353/2007. 1. A Medida Provisória nº 353 de
22 de janeiro de 2007, a qual foi convertida na Lei nº 11.483/2007, dispôs
acerca da liquidação da extinta a Rede Ferroviária Federal - RFFSA, sendo que
restou determinado que cabia à União a sucessão das ações envolvendo a referida
sociedade de economia mista. 2. Alinho-me ao entendimento de que é inviável a
usucapião de bens públicos. Contudo, o caso dos autos é peculiar na medida em
que o autor já havia preenchido o prazo para a prescrição aquisitiva antes
mesmo da incorporação dos bens à União. 3. Preenchidos os requisitos da
prescrição aquisitiva. 4. Apelo e remessa oficial desprovidos".
"TRF-4.
5000872-59.2021.404.7205. J. em: 07/06/2022. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL.
APELAÇÃO. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. BENS DA RFFSA TRANSFERIDOS PARA A UNIÃO.
LEI Nº 11.483/2007. REQUISITOS PARA A USUCAPIÃO NÃO COMPROVADOS. 1. Em se
tratando de bem imóvel que pertencia à extinta RFFSA e foi transferido ao
patrimônio da União, os requisitos da usucapião devem ter ocorrido,
comprovadamente, até 22/01/2007, data em que os bens da RFFSA foram para a
União, por meio da edição da Lei n. 11.483/2007 (art. 2º, inciso II). 2. Caso
em que o conjunto probatório, com documentação escassa e a prova testemunhal
inconsistente não comprovaram o preenchimento dos requisitos para a
usucapião".
Sobre os autores:
Júlio Martins (OAB/RJ 197.250) é Advogado com extensa experiência em Direito
Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente
da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ.
É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro,
com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente
Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente
em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União
Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas
Previdenciárias.
Fonte: Jornal Jurid