Relatórios do COAF analisam operações financeiras
suspeitas de crimes, comunicando autoridades competentes. STF autorizou compartilhamento
sem necessidade de autorização judicial.
Os relatórios de inteligência financeira são documentos
produzidos pelo COAF - Conselho de Controle de Atividades Financeiras, com a
finalidade de examinar e identificar operações financeiras que possuem indícios
de crimes. São, portanto, documentos que fazem a interpretação lógica das
informações recebidas das diversas pessoas sujeitas aos mecanismos de controle
(instituições financeiras, cartórios e outros) e, quando constatados indícios
de infração penal, são remetidos, espontaneamente, nos termos do art. 15 da lei
9.613/98, às autoridades de persecução criminal:
"Art. 15. O COAF comunicará às autoridades
competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis, quando concluir pela
existência de crimes previstos nesta lei, de fundados indícios de sua prática,
ou de qualquer outro ilícito."
Em 2021, o STF, ao julgar o RE 1.055.941 declarou ser
constitucional, independente de autorização judicial, o compartilhamento dos
Relatórios de Inteligência Financeira e dos Procedimentos fiscalizatórios da
Receita Federal do Brasil com os órgãos de persecução criminal. Confira trechos
da ementa desse caso:
"É constitucional o compartilhamento dos relatórios
de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório
da Receita Federal do Brasil - em que se define o lançamento do tributo - com
os órgãos de persecução penal para fins criminais sem prévia autorização
judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos
formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional;
(RE 1.055.941, relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno,
julgado em 4/12/19, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO
DJe-243 DIVULG 5-10-20 PUBLIC 6-10-20 REPUBLICAÇÃO: DJe-052
DIVULG 17-3-21 PUBLIC 18-3-21)"
No julgamento do AgRg na CauInomCrim 69/DF, relatora
ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 1/6/22, DJe de 3/6/22 foi
decidido que o trabalho desenvolvido pelo CAOF tem natureza penal persecutória,
e são, isoladamente, capazes de fundamentar eventuais representações por
quebras de sigilos fiscal e bancário:
"A atribuição desenvolvida pelo COAF se insere no
âmbito das atividades de natureza penal persecutória. Assim, pode ser utilizada
como fundamento para a quebra de sigilo financeiro. Precedentes do STF e do
STJ."
Na análise do HC 349.945/PE, rel. ministro Nefi Cordeiro,
Rel. p/ Acórdão ministro Rogério Schietti Cruz, 6ª turma, julgado em 6/12/16,
DJe 2/2/17, o STJ declarou que o intercâmbio de informações entre os órgãos de
persecução criminal poderia ser feito de duas formas, quais sejam: a
espontânea, onde o próprio COAF faz o envio dos Relatórios às autoridades de
persecução criminal, como a provocada, em que a solicitação é encaminhada pelos
órgãos de persecução criminal ao COAF:
"Se o art. 1º, § 3º, IV, da lei 9.613/98 admite que
o COAF comunique "autoridades competentes, da prática de ilícitos penais
ou administrativos, abrangendo o fornecimento de informações sobre operações
que envolvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa", não há
motivo para que o Ministério Público deixe de dirigir solicitação ao órgão no
sentido de que investigue operações bancárias e fiscais de pessoa (física ou
jurídica) sobre as quais paire suspeita e comunique, ao final, suas conclusões.
Assim, o MPF "não possui acesso aos bancos de dados sigilosos do COAF,
existindo apenas um intercâmbio de informações por sistema eletrônico, criado
pelo próprio órgão, objetivando atender ao preconizado no art. 15 da lei de
lavagem de dinheiro".
Aliás, o compartilhamento espontâneo ou provocado dos
Relatórios de Inteligência Financeira, não são, isoladamente, suficientes para
justificar eventuais representações por quebras dos sigilos do investigado.
Essa interpretação ocorreu no julgamento do HC 191.378/DF, relator ministro
Sebastião Reis Júnior, 6ª turma, julgado em 15/9/11, DJe de 5/12/11, onde se
concluiu que os relatórios do COAF são apenas indicativos de infração penal, e
não são capazes de fundamentar, de forma solitária, eventuais representações
por quebras de sigilos fiscal e bancário:
"(...) fosse assim, toda e qualquer comunicação do
COAF nesse sentido implicaria, necessariamente, o afastamento do sigilo para
ser elucidada. Da mesma forma, a gravidade dos fatos e a necessidade de se
punir os responsáveis não se mostram como motivação idônea para justificar a
medida, a qual deve se ater, exclusiva e exaustivamente, aos requisitos
definidos no ordenamento jurídico pátrio, sobretudo porque a regra consiste na
inviolabilidade do sigilo, e a quebra, na sua exceção."
Com efeito, no julgamento do RHC 43.356/PA, relator
ministro Sebastião Reis Júnior, relator para acórdão ministro Rogerio Schietti
Cruz, 6ª turma, julgado em 26/8/14, DJe de 3/2/15, por maioria de votos,
prevaleceu a tese de que as conclusões da COAF podem, isoladamente, justificar
uma acusação criminal:
"Não há nulidade em denúncia oferecida pelo
Ministério Público cujo supedâneo foi relatório do COAF, que, minuciosamente,
identificou a ocorrência de crimes vários e a autoria de diversas
pessoas."
Em linhas gerais, até meados de 2023, as pontuais
divergências existentes entre os casos destacados nesse estudo tiveram maior
impacto quando os Relatórios de Inteligência Financeira foram utilizados, de
forma isolada, para fundamentar pedidos de quebras de sigilos.
No entanto, no julgamento do RHC 147.707/PA, relator
ministro Antônio Saldanha Palheiro, 6ª turma, julgado em 15/8/23, DJe de
24/8/23, por maioria de votos, o colegiado deliberou que a decisão proferida no
RE 1.055.941 não contempla a inversão do caminho burocrático para a comunicação
oficial sobre os indícios de crimes descobertos pela COAF, ou seja, o
compartilhamento dos Relatórios de Inteligência Financeira não poderiam ser
encaminhados aos órgãos de persecução criminal sem autorização judicial.
Se estabeleceu a tese de que a única forma de
compartilhamento dessas informações, sem autorização judicial, seria pela forma
espontânea, ou seja, quando a informação é oriunda do próprio COAF:
"No presente caso, a autoridade policial solicitou
diretamente ao COAF o envio dos relatórios de inteligência financeira, sem a
existência de autorização judicial, situação, portanto, diversa da análise pelo
STF.
(...)
Dessa forma, o presente recurso em habeas corpus deve ser
provido para declarar a ilicitude dos relatórios de inteligência financeira
solicitados diretamente pela autoridade policial ao COAF."
Esse julgamento gerou muitas preocupações aos órgãos de
persecução criminal, pois boa parte das investigações pelos crimes de lavagem
de dinheiro são oriundas de solicitações provindas dos próprios órgãos
investigativos, isto é, o compartilhamento provocado.
O Ministério Público recorreu dessa decisão ao STF.
Utilizou-se a Reclamação Constitucional para contestar a tese do RHC
147.707/PA, pois, na visão do Ministério Público, o Superior Tribunal de
Justiça desrespeitou a tese do RE 1.055.491/SP, onde se autorizou os
compartilhamentos espontâneo e provocados.
Em 2/4/24, a reclamação 61.944 foi julgada procedente
para referendar que os órgãos de persecução criminal podem, motivadamente,
independente de autorização judicial, requererem ao COAF a produção de
Relatório de Inteligência Financeira.
Portanto, quando a investigação por crimes financeiros é
feita sem abusividade, não há qualquer impedimento legal para que os órgãos de
persecução criminal solicitem diretamente ao COAF, independente de autorização
judicial, a produção de Relatório de Inteligência Financeira.
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Lei nº. 9.613, de 3 de março de 1998.
RE 1055941, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno,
julgado em 04/12/2019, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO
DJe-243 DIVULG 05-10-2020 PUBLIC 06-10-2020 REPUBLICAÇÃO:
DJe-052 DIVULG 17-03-2021 PUBLIC 18-03-2021.
AgRg na CauInomCrim nº. 69/DF, relatora Ministra Nancy
Andrighi, Corte Especial, julgado em 1/6/2022, DJe de 3/6/2022.
HC 349.945/PE, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Rel. p/
Acórdão Ministro Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 06/12/2016, DJe
02/02/2017.
HC nº. 191.378/DF, relator Ministro Sebastião Reis
Júnior, Sexta Turma, julgado em 15/9/2011, DJe de 5/12/2011.
RHC nº. 43.356/PA, relator Ministro Sebastião Reis
Júnior, relator para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma,
julgado em 26/8/2014, DJe de 3/2/2015.
RHC 147.707 - PA, relator Ministro Antônio Saldanha
Palheiro, Sexta Turma, julgado em 15/8/2023, DJe de 24/8/2023.
Rcl 61944/PA, relator Ministro Cristiano Zanin. Acórdão
não publicado.
Fonte: Migalhas