O Código de Processo Civil, em seu artigo 610, §1º,
prevê que, sendo os herdeiros capazes e concordes, o inventário e a partilha
poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil
para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância
depositada em instituições financeiras. Contudo, em seu caput, o artigo
610 do referido diploma legal prevê que, havendo testamento, deve-se seguir com
o inventário judicial.
A despeito de proceder com a
delimitação de ambas as situações, o legislador gerou uma lacuna no tocante aos
casos em que ambas as situações ocorrem concomitantemente, ou seja: quanto há
concordância de todos os herdeiros, porém existe testamento formalizado.
Em caso recente, o Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, entendeu pelo não cabimento da realização de
inventário e partilha por escritura pública, sob o argumento de que, havendo
testamento, deve ser realizado o inventário judicial, conforme previsto expressamente
no artigo 610, caput, do CPC, não podendo ser substituído pela simples
homologação de partilha extrajudicial.
A Terceira Turma do Superior
Tribunal de Justiça, por sua vez, reformou o acórdão proferido pelo Tribunal
gaúcho por meio de julgamento realizado em 25/8/2022, nos autos do REsp nº
1.951.456, ao fundamento de que, mesmo havendo testamento formalizado, é
plenamente cabível a realização de inventário e partilha por escritura pública,
desde que todos os herdeiros sejam capazes e estejam em comum acordo.
A relatora ministra Nancy
Andrighi embasou seu voto no referido julgamento trazendo a exposição de
motivos do projeto de lei [1] que criou
a possibilidade de inventários extrajudiciais no Brasil "reforça a tese
de que haverá a necessidade de inventário judicial sempre que houver
testamento, salvo quando os herdeiros sejam capazes e concordes, justamente porque
a capacidade para transigir e a inexistência de conflito entre os herdeiros
derruem inteiramente as razões expostas pelo legislador".
Não se pode perder de vista que
a legislação atual visa estimular a autonomia da vontade das partes, a
desjudicialização dos conflitos e a adoção de métodos adequados de resolução
das controvérsias, reservando-se o judiciário apenas aos casos em que haja
conflitos entre os herdeiros e que, sendo os herdeiros capazes e concordes, não
há óbice ao inventário extrajudicial, ainda que haja testamento. Afinal, a
partilha extrajudicial busca, de forma mais célere e menos burocrática,
regularizar a transmissão de bens aos herdeiros, o que deve ser priorizado
pelos julgadores.
Referido acórdão transitou em
julgado em 11/10/2022, e resta aguardar e observar como o entendimento
do Superior Tribunal de Justiça será aplicado. O que se espera é que seja
observado trazendo segurança jurídica para todos aqueles herdeiros que, estando
em comum acordo, visam a realização de inventário e partilha por escritura
pública, ou seja, fora da esfera judicial.
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[1] Trata-se
da Lei nº 11.441/2007, que promoveu, ainda na vigência do CPC/73, a modificação
legislativa que autorizou a realização de inventários extrajudiciais no Brasil.
Fonte:
ConJur