É recomendável que
como essas hipóteses versam sobre compromisso de compra e venda, seja observado
o novo prazo - maior - de 30 dias para purgação da mora, em lugar dos prazos
inferiores previstos nas normas legais anteriores.
A nova lei 14.382/22,
que dispõe sobre o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos, trouxe-nos uma
nova modalidade de resolução das relações contratuais decorrente da falta de pagamento,
o cancelamento extrajudicial do registro do compromisso de compra e venda (art.
251-A, da lei 6.015/73), na forma anteriormente previsto na legislação
referente aos loteamentos rurais e urbanos (decreto-lei 58/37 e lei 6.766/79).
Com efeito, o supracitado
ordenamento legal não apenas simplificou o procedimento de resolução do
compromisso de compra e venda por falta de pagamento, mas o tornou indene de
dúvida, ao prever a prescindibilidade do ajuizamento de ação resolutória
premonitória à reintegração de posse para os contratos que contenham cláusula
resolutiva expressa.
Nesse contexto, o
intento deste artigo é descortinar as múltiplas modalidades contratuais
existentes para viabilizar a venda de um bem imóvel com pagamento em parcelas,
as suas principais características, os pontos positivos e negativos, quando há
o inadimplemento por falta de pagamento.
Como acima exposto,
tanto o decreto-lei 58/37 quanto a lei 6.766/79 preveem e autorizam a
possibilidade de cancelamento extrajudicial do compromisso de compra e venda de
lotes, sejam eles urbanos ou rurais.
No que tange ao
compromisso de venda de fração ideal correspondente à futura unidade
imobiliária, o art. 63 da lei 4.591/64 (ao prever notificação para purgação da
mora com prazo de dez dias) assenta o procedimento extrajudicial de resolução
do contrato, seguido de leilão do imóvel, como forma de recompor o fluxo
financeiro do empreendimento, com vistas à preservação do programa contratual,
destinando o produto apurado nessa alienação ao pagamento do débito e a entrega
de eventual saldo ao adquirente inadimplente.
Caio Mário da Silva
Pereira¹ ressaltou a adequação desse procedimento à racionalidade econômica e
social da incorporação imobiliária:
"A lei 4.591, de
1964, estabeleceu um procedimento de venda que se realiza sem delongas, e com
todas as garantias para o adquirente. Requer a constituição em mora, com prazo
de dez dias para a respectiva purgação. A venda se efetua em leilão
público. (... ). O leilão oferece, portanto, o mais equânime dos critérios:
presteza na solução, reversão ao condomínio do preço apurado com as deduções
previstas; entrega do saldo ao adquirente faltoso. Ninguém se apropria do
remanescente ou de qualquer diferença na apuração de haveres. Efetuado o leilão
com observância das normas contidas no art. 63 e seus parágrafos, não se pode
nele enxergar enriquecimento sem causa (quer para o incorporador, quer para o
condomínio) ou condição abusiva. Em confronto com o CDC, que é tão zeloso da
defesa do consumidor, não se vislumbra aí qualquer das práticas abusivas
mencionadas no art. 39 do CDC."
Nessa hipótese, a
notificação do devedor é primordial, não apenas para a sua constituição em
mora, mas para garantir o exercício do contraditório, viabilizando a impugnação
total ou parcial do débito que lhe é imputado. Confira-se o entendimento do STJ
sobre o tema, in verbis:
"Leilão
Extrajudicial. Art. 63, §1º da lei 4.591/64. Intimação para comunicação da data
e hora do leilão. Desnecessidade. [...] 4. A necessidade de previsão contratual
da medida expropriatória extrajudicial, e a ocorrência de prévia interpelação
do devedor para que seja constituído em mora, dão a essa espécie de execução
elementos satisfatórios de contraditório, uma vez que a interpelação será
absolutamente capaz de informar o devedor da inauguração do procedimento,
possibilitando, concomitantemente, sua reação." (Resp. 1399024/RJ, Relator
Ministro Luís Felipe Salomão, DJe. 11/12/15).
Importante lembrar
que, para a configuração do inadimplemento absoluto, o supracitado art. 63 da
Lei de Incorporação Imobiliária exige a falta de pagamento de, pelo menos, três
prestações do preço da construção por parte do adquirente ou contratante.
Da mesma forma, nos
casos de compra e venda de imóvel com alienação fiduciária em garantia, os
arts. 26 e 27 da lei 9.514/97 (Sistema Financeiro Imobiliário) preveem a
execução extrajudicial da garantia e estabelecem os procedimentos de cobrança e
leilão do bem objeto do contrato.
O procedimento tem
início com a intimação do devedor para a purga da mora, com o prazo de 15
dias, após o cumprimento da carência prevista no contrato.
A intimação do
fiduciante será pessoal e pode ser promovida, por solicitação do oficial do
Registro de Imóveis, por oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca
da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou pelo correio,
com aviso de recebimento (§3º, do art. 26, da lei 9.514/97), e o seu
descumprimento gera a nulidade do procedimento, traduzindo-se em condição
essencial, sendo ressalvada a hipótese legal de intimação por edital, desde que
o devedor se encontre em local incerto e não sabido.
Com a consolidação da
propriedade do credor, o bem será posto à venda mediante leilão, que deverá ser
realizado no prazo de 30 dias, sendo que o primeiro leilão se dará levando-se
em conta, como preço mínimo, aquele constante do contrato.
Frustrado esse
primeiro leilão, será realizado um segundo, em que será aceito o maior lance
oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida, acrescido das
despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, tributos e das
contribuições condominiais, entendendo-se dívida como o saldo devedor da
operação de alienação fiduciária, na data do leilão, nele incluídos os juros
convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais e, como
despesas, a soma das importâncias correspondentes aos encargos e às custas de
intimação e as necessárias à realização do leilão público, nestas
compreendidas as relativas aos anúncios e à comissão do leiloeiro (§§ 2º e 3º,
do art. 27 da lei 9.514/97).
Realizado o leilão,
exonera-se o devedor pelo saldo remanescente, sendo assegurado ao fiduciário e
seus sucessores, inclusive ao adquirente do imóvel, promover a reintegração de
posse que será concedida em caráter liminar para desocupação em 60 dias, desde
que haja a comprovação da propriedade em nome daquele.
Insta ressaltar que
todo esse procedimento se faz necessário, à medida que o art. 1.365 do Código
Civil veda a possibilidade de o credor ficar com o bem objeto da garantia, no
caso de inadimplemento, e fulmina de nulidade eventual cláusula contratual
nesse sentido. Então, vejamos:
"Art. 1.365. É
nula a cláusula que autoriza o proprietário fiduciário a ficar com a coisa
alienada em garantia, se a dívida não for paga no vencimento."
Com a vedação ao
pacto comissório, evita-se que o credor obtenha a propriedade de bem cujo valor
é notavelmente superior ao valor nominal do crédito, em prejuízo do devedor,
que teria o seu patrimônio diminuído, e dos demais credores (titulares de
créditos privilegiados e credores quirografários, estes últimos subordinados em
relação ao titular de garantia real).
Outrossim,
considerando-se que uma das finalidades da vedação ao pacto comissório é
preservar o princípio da par conditio creditorum, se não há garantia
real, não há, evidentemente, violação à igualdade entre credores.
A vedação ao pacto
comissório, contudo, não fulmina de nulidade toda e qualquer forma de
apropriação do objeto da garantia pelo credor; impede, apenas, que essa
apropriação se dê pelo valor da dívida, a fim de proteger o próprio credor, bem
como preservar o princípio da igualdade entre credores.
Nesse exato sentido,
cabe pontuar que, no procedimento de execução extrajudicial da garantia
fiduciária, o §5º, do art. 27 da lei 9.514/97 autoriza que o imóvel reverta em
definitivo para o credor fiduciário, nos casos em que, a despeito da realização
de dois leilões, não se tenha obtido lance algum de valor igual ou superior ao
montante da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais,
inclusive tributos, e das contribuições condominiais. Nessa hipótese, não
havendo lance suficiente no segundo leilão, a consolidação da propriedade em
favor do credor fiduciário se torna definitiva, e a dívida se extingue, ficando
o credor desobrigado de restituir qualquer importância ao devedor.
Nesse caso
específico, portanto, o credor, além de permanecer com parcelas de preço que
tiverem sido pagas antes do início do inadimplemento, adquire a propriedade
definitiva da coisa alienada em garantia, o que representa clara exceção à
regra do art. 1.365 do Código Civil. Essa exceção, porém, decorre do pouco
interesse do mercado pelo imóvel dado em garantia, considerada a realização de
dois leilões não suficientes para assegurar ao credor o valor da dívida. Assim,
a exceção que permite ao credor remanescer com o imóvel tem por clara
finalidade evitar que ele acabe por receber menos do que o valor da dívida.
Constata-se, assim,
que o que é reprovável pelo ordenamento jurídico não é a simples apropriação
direta e permanente do bem como mecanismo de satisfação do crédito, mas a forma
pela qual seu valor é fixado para efeito da apropriação.
Nesse sentido, já tem
sido admitido pela nossa jurisprudência o pacto marciano (VII Jornada de
Direito Civil, Enunciado 626), possibilitando, por meio de um ajuste, que o bem
dado em garantia ao credor seja por ele apropriado, exigindo para tanto a
avaliação do justo preço e a devolução de eventual excedente da dívida ao
devedor.
Discorrendo ainda
sobre a possibilidade da venda de um bem imóvel com recebimento do preço
ajustado em parcelas e o seu inadimplemento, por falta de pagamento, temos a
possibilidade de aplicação das regras previstas pelo Sistema Financeiro de
Habitação (lei 4.380/64 e art. 29, do decreto-lei 70/66). Nesse caso, o imóvel
será hipotecado. E o procedimento para a execução da hipoteca é regulamentado
tanto pela lei geral (Código de Processo Civil), que remete à execução
judicial do crédito hipotecário, quanto por leis especiais (por exemplo,
lei 5.741/71).
Nesta última
hipótese, o art. 1º da lei 5.741/71 prevê procedimento extrajudicial, em que o
credor, para buscar a satisfação do direito, não precisa propor uma ação
judicial, mas, apenas, atender aos requisitos da legislação especial (arts. 31
e 32 do decreto-lei 70/66, prazo de 20 dias, §1º, do art. 31, para a purgação
da mora).
Mencione-se,
igualmente, por oportuno, a possibilidade de se vender um imóvel com pagamento
em parcelas, por meio de um contrato de compra e venda com a cláusula
resolutiva expressa, nos termos dos arts. 481 c/c art. 474, da lei substantiva.
Trata-se, por conseguinte, de uma compra e venda sob condição (29, I, do art.
167, da lei 6.015/73), sendo assim, uma propriedade resolúvel (vide art. 1.359,
do Código Civil brasileiro).
Ao se admitir que a
cláusula resolutiva expressa seja manejada no caso de inadimplemento do
comprador em pagar o preço, o vendedor poderia, sem necessidade de ingressar
com uma ação de resolução, propor ação de reintegração de posse contra o
comprador inadimplente que estivesse na posse do imóvel.
Do contrário,
negando-se a eficácia da cláusula resolutiva expressa, o vendedor deveria
primeiramente propor ação de resolução para, após a prolação de sentença
desconstitutiva da relação jurídica, propor a ação de reintegração de posse
contra o comprador.
Sob o ponto de vista
prático, a compra e venda com a cláusula resolutiva expressa muito se assemelha
ao compromisso de compra e venda com a mesma cláusula, ou seja, a venda de um
imóvel com pagamento em parcelas, o inadimplemento do comprador/compromissário
comprador e a consequente resolução do contrato, por força da cláusula
resolutiva, sem a necessidade da prévia ação judicial para configurar a
resolução do negócio jurídico.
Surge, então, a
seguinte questão: a possibilidade do cancelamento do registro extrajudicial
constante do novel art. 251-A, da Lei de Registros Públicos, com a alteração
dada pela lei 14.382/22, para a hipótese de inadimplemento do compromissário
comprador por falta de pagamento, seria extensiva à compra e venda com a
previsão da cláusula resolutiva expressa?
Ao que nos parece
essa possibilidade de cancelamento extrajudicial do registro do compromisso de
compra e venda não seria extensível para os contratos de compra e venda, mesmo
com a inserção de cláusula resolutiva expressa, pelas razões que se seguem: (i)
o nosso ordenamento jurídico, ao permitir o cancelamento extrajudicial para os
imóveis loteados rural e urbano, fê-lo de forma expressa; (ii) a nova
lei 14.382, que modificou a Lei de Registros Públicos e criou o art. 251-A, ao
prever o procedimento extrajudicial para cancelamento do registro imobiliário,
foi taxativa ao se referir tão somente ao compromisso de compra e venda.
Assim, entendemos
que, tratando-se de contratos de compra e venda, e não de simples compromissos,
impossível a aplicação do procedimento extrajudicial do art. 251-A da Lei de
Registros Públicos, ainda que o contrato celebrado ostente cláusula resolutiva
expressa.
É forçoso reconhecer
que a possibilidade de cancelamento extrajudicial do registro imobiliário,
mediante reconhecimento do débito e do descumprimento contratual pelo próprio
registrador, é hipótese de exceção em nosso ordenamento jurídico, e, nesse
contexto, a norma permissiva introduzida no art. 251-A da lei 6.015/73 não
admite interpretação extensiva, tratando-se de regra específica para a
desconstituição de compromissos de compra e venda.
Para remate, em
relação à resolução do contrato de consórcio para a aquisição de imóvel, cabe
observar que a lei 11.795/08, que regula a matéria, não impôs a observância de
qualquer formalidade ou procedimento prévio, como a notificação do consorciado
inadimplente, para constituí-lo em mora, deixando a cargo do contrato a ser
firmado pelas partes essa incumbência.
Nessa matéria,
entendemos que não há qualquer espaço para a aplicação subsidiária da nova lei
14.382/22, visto que nos contratos de consórcio também não se está diante de
compromisso de compra e venda. Os registros imobiliários, em matéria de
consórcio, são de compra e venda e de garantia (hipoteca ou alienação
fiduciária), e ainda a averbação da afetação a que se refere o §7º, do art. 5º
da lei 11.795/08.
Quanto aos prazos
para purgação da mora, entendemos que deverão continuar a ser observados os
previstos nas leis especiais. A título de exemplo, a execução extrajudicial da
garantia fiduciária, prevista na lei 9.514/97, não se confunde em nada com o
cancelamento extrajudicial do compromisso de compra e venda, agora regulado
pelo art. 251-A da Lei de Registros Públicos. Assim, cada procedimento manterá
os seus prazos próprios.
Nas hipóteses regidas
pelo art. 251-A da lei 6.015/73, o prazo do devedor para purgar a mora é de 30
dias, contados da notificação feita pelo oficial do Registro de Imóveis ou pelo
oficial do Registro de Títulos e Documentos (§2º, do art. 251-A).
Embora nosso
entendimento seja no sentido de que esse novo prazo não modifica a legislação
especial, é recomendável, especificamente nos casos de cancelamento de
compromissos de compra e venda, que - a despeito dos diferentes prazos
estampados no decreto-lei 58/37, e na lei 6.766/79 (para as hipóteses de
loteamento) e no art. 63 da lei 4.591/64 (para a promessa de compra e venda de
fração ideal correspondente à futura unidade imobiliária na construção em
condomínio) -, como essas hipóteses versam sobre compromisso de compra e venda,
seja observado, ad cautelam, o novo prazo - maior - de 30 dias para
purgação da mora, em lugar dos prazos inferiores previstos nas normas legais
anteriores. Isso, exatamente, com a finalidade de evitar que posteriormente se
venha a alegar a nulidade dos procedimentos adotados pelo credor.
Afinal, ainda não se
sabe como a jurisprudência se comportará em face do advento do novel art. 251-A
acrescentado à Lei de Registros Públicos. Existe, portanto, a possibilidade, ao
menos teórica, de que se venha a entender que o novo prazo de 30 dias se aplica
extensivamente a toda e qualquer purgação de mora em matéria de compromisso de
compra e venda. Ainda que, a rigor técnico, a lei geral mais recente não deva
prevalecer sobre a lei especial mais antiga, a prudência e a segurança
recomendam atitude de cautela por parte dos operadores do Direito, e a
observância, ainda que por liberalidade, do prazo maior de 30 (trinta) dias
terá o condão de prevenir eventuais alegações de nulidade.
Concluindo, a nova
lei 14.382/22, no que concerne à possibilidade do cancelamento extrajudicial do
registro de compromisso de compra e venda, sem dúvida, converge com um dos
princípios norteadores do nosso Código Civil, constante na sua Exposição de
Motivos, elaborada por Miguel Reale, i.e., princípio da operabilidade,
que, em apertada síntese, significa que o Direito deve existir a fim de que
produza efeitos, proporcionando uma alteração no plano social.
_____
1 Revista dos
Tribunais, v. 712, p. 107.
Fernanda de Freitas
Leitão é tabeliã do 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro.
Fonte: Migalhas