Está na pauta do Supremo Tribunal
Federal – STF, para o próximo dia 15 de junho, o julgamento que examina a
separação judicial como requisito para o divórcio e sua subsistência como
figura autônoma no ordenamento jurídico brasileiro após a promulgação da Emenda
Constitucional – EC 66/2010. O Recurso Extraordinário – RE 1.167.478/RJ, com o
Tema 1.053, tem relatoria do ministro Luiz Fux.
O Instituto Brasileiro de Direito de
Família – IBDFAM atua no caso como amicus curiae. Há 12 anos, a entidade
participou da concepção da EC 66/2010, que instituiu o divórcio direto no
Brasil. Com a medida, caiu em desuso a separação judicial e os longos prazos
para a dissolução do casamento, que só era possível após um ano de efetiva
separação do casal ou caso fosse comprovado o fim da união há pelo menos dois
anos.
Quando promulgada, a EC 66/2010
beneficiou, de imediato, milhares de brasileiros que se separavam ou tinham
processos pendentes, diminuindo a litigiosidade e ajudando a desafogar o Poder
Judiciário. A norma também pôs fim à discussão sobre a qual dos ex-parceiros
cabia a culpa pelo término do relacionamento e tornou possível que apenas um
cônjuge manifeste seu desejo para o rompimento do vínculo.
Jurisprudência já consagrou extinção da
separação judicial
O advogado e professor Paulo Lôbo,
cofundador e diretor nacional do IBDFAM, explica que, com a EC 66/2010, foram
removidos os últimos obstáculos para realização direta do divórcio judicial ou
extrajudicial no Brasil: as exigências de prévia separação judicial ou prévia
separação de fato mínima de dois anos.
“A norma constitucional advinda com a
EC 66/2010 revogou, por incompatibilidade, todas as normas do Código Civil que
regulamentavam a antiga redação do § 6º do artigo 226 da Constituição, relativa
ao requisito prévio de separação judicial. Houve revogação na modalidade
tácita”, destaca o especialista.
Desde então, a jurisprudência caminha
no mesmo sentido. “O Superior Tribunal de Justiça – STJ e os tribunais de
justiça estaduais consagraram fortemente a interpretação da revogação (e
extinção) da separação judicial, rejeitando a fundamentação do divórcio na
culpa ou em qualquer outra causa subjetiva ou objetiva.”
“Separação convencional” vai de
encontro aos valores contemporâneos
Segundo Paulo Lôbo, o Código de
Processo Civil – CPC, de 2015, quando alude à “separação”, não remete às normas
revogadas do Código Civil relativas à separação judicial, mas sim à separação
de fato, “pois quando uma norma jurídica desaparece não pode ressurgir, no
sistema jurídico brasileiro, máxime por interpretação”.
“Mesmo a alusão do CPC à ‘separação
convencional’ não deve ser entendida como necessária para o divórcio. Se os
cônjuges, separados de fato ou não, podem requerer a homologação judicial do divórcio
convencional, sem necessidade de justificação ou causa ou prévio acordo, ou
promover a escritura pública do divórcio convencional, permitindo-lhes
dissolver o casamento, estando de pleno acordo com os itens previstos em lei,
qual a necessidade de realizar tal ‘separação convencional’?”, indaga o
jurista.
Ele defende: “Perdida sua razão
histórica fundada na indissolubilidade matrimonial e de obstáculo à obtenção do
divórcio direto, sua permanência vai de encontro e não ao encontro dos valores
contemporâneos que se projetaram na Constituição e no ordenamento jurídico
brasileiros de autonomia e liberdade de entrar e sair de qualquer
relacionamento conjugal”.
IBDFAM é protagonista de evoluções na
área
De acordo com Paulo Lôbo, o IBDFAM pode
agregar, como amicus curiae, a essa discussão cara ao modelo de casamento
contemporâneo. “O Instituto tem um firme protagonismo no processo de alteração
da Constituição, para retirar essa amarra insuportável do requisito prévio da
separação judicial culposa, de elevado grau de litigiosidade, que desembocava
em sofrimentos dolorosos para o casal, que viam suas vidas íntimas reveladas em
juízo.”
Ele frisa que trabalhos publicados e
congressos patrocinados pelo IBDFAM confluíam sempre para a necessidade de
revogação desse requisito, o que redundou no projeto de Emenda Constitucional,
elaborado pelo Instituto e promulgado pelo Congresso em 2010. “Esse
protagonismo histórico lhe autoriza a sustentar esses e outros argumentos
perante o STF, como amicus curiae, na expectativa que nossa Suprema Corte não
chancele o retrocesso, que, a meu ver, negaria vigência à EC 66/2010.”
“Os fins sociais do divórcio direto e
irrestrito, adotado pela Constituição, são incompatíveis com qualquer
dificuldade ou obstáculo que a ele se anteponha, ainda que sob argumento
desarrazoado de autonomia de os sujeitos se submeterem à penosa separação
prévia ao divórcio”, defende.
O jurista espera que o Supremo confirme
o entendimento amplamente majoritário na doutrina e na jurisprudência. “O STF
tem sido garante do princípio da laicidade, que fundamenta o Estado brasileiro
desde o advento da República. Com a EC 66/2010, o Estado laico chegou ao
casamento, consumando a liberdade de constituí-lo e dissolvê-lo. É com essa
finalidade de confiança na autonomia responsável dos cônjuges que deve ser
interpretada”, conclui Paulo Lôbo.
Entenda o caso que chegou ao STF
O RE 1.167.478/RJ foi interposto contra
acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – TJRJ, que decidiu que a EC
66/2010 afastou a exigência prévia da separação de fato ou judicial para o
pedido de divórcio. Ao manter a sentença de primeiro grau, o entendimento foi
de que, com a mudança na Constituição, se um dos cônjuges manifestar a vontade
de romper o vínculo conjugal, o outro nada pode fazer para impedir o divórcio.
No Supremo, a alegação de um dos
cônjuges é de que o artigo 226, § 6º, da Constituição Federal, apenas tratou do
divórcio, mas seu exercício foi regulamentado pelo Código Civil, que prevê a
separação judicial prévia. Sustenta que seria equivocado o fundamento de que o
artigo 226 tem aplicabilidade imediata, com a desnecessária edição ou
observância de qualquer outra norma infraconstitucional. A outra parte defende
a inexigibilidade da separação judicial após a alteração constitucional. Em seu
entendimento, não haveria qualquer nulidade na sentença que decretou o
divórcio.
O ministro Luiz Fux, relator da
matéria, manifestou-se pela existência de repercussão geral da questão
constitucional, ao considerar que a discussão transcende os limites subjetivos
da causa e afeta diversos casos semelhantes. Para ele, a alteração
constitucional deu origem a várias interpretações na doutrina e a
posicionamentos conflitantes no Poder Judiciário sobre a manutenção da
separação judicial no ordenamento jurídico e a exigência de observar prazo para
o divórcio.
Em sua manifestação, Fux citou
jurisprudência de diferentes tribunais do país, incluindo o STJ, que assenta a
coexistência dos dois institutos de forma autônoma e independente, e
precedentes que declaram a insubsistência da separação judicial.