Ainda pouco conhecida, declaração formal
serve para impedir problemas patrimoniais e evitar litígios
Casados desde setembro de 2024, o jogador
de futebol Endrick e a influenciadora Gabriely Miranda chamaram a atenção da
imprensa espanhola no ano passado ao divulgar um contrato de namoro com
cláusulas bastante específicas.
Além de formalizar que o casal estava em
um “relacionamento afetivo voluntário” e proibir relacionamentos românticos ou
íntimos com outras pessoas, o documento – redigido por Miranda – proibia alguns
termos em conversas de internet.
Por exemplo, o tradicional “kkk” que
indica uma risada teria de ter pelo menos 4 letras “k”. Quem usasse menos
letras teria de compensar o parceiro com um presente ou uma demonstração
afetiva. O contrato também determinava a obrigatoriedade de o casal andar de
mãos dadas e de dizer “eu te amo” frequentemente.
Mesmo sem tanta visibilidade (e sem
cláusulas tão específicas), os contratos de namoro vem se tornando mais
conhecidos no País. Eles ainda são muito menos frequentes do que os contratos
de união estável, que ficaram populares após sua regulamentação em 1996, e mais
ainda depois da aprovação do chamado Novo Código Civil, em 2002.
Não há dados consolidados, mas segundo o
Colégio Notarial do Brasil (CNB), entidade que reúne os cartórios, entre 2016 e
2024 foram lavrados 860 contratos em cartórios. A seguir, alguns fatos sobre os
contratos de namoro:
O que é um contrato de namoro?
É um instrumento jurídico, um contrato
registrado em cartório. Carta de amor em papel cor-de-rosa pode ser romântica,
mas não tem valor jurídico. Os contratos de namoro são firmados entre
duas pessoas (não vale trisal), independente de gênero, que mantêm um
relacionamento afetivo sem a intenção imediata de constituir família. Eles
deixam claro que a relação é apenas um namoro, e não pode ser considerada uma
união estável.
Por que fazer um contrato de namoro?
Romantismo à parte, esses contratos deixam
claro que o relacionamento entre as duas pessoas é um namoro e não tem a
abrangência de uma união estável. Qual a diferença? União estável é mais
parecida com um casamento, e casamentos implicam em um regime para os bens.
Segundo os advogados, o contrato de namoro é mais necessário para pessoas
com patrimônio relevante (herdeiros, empresários ou investidores) ou mesmo quem
deseje preservar sua segurança patrimonial e evitar litígios.
Qual a diferença legal entre namoro e
união estável?
O assunto é subjetivo, e por isso provoca
tantos problemas. O Artigo nº 1.723 do Código Civil define a união estável como
“a convivência pública, contínua e duradoura com o objetivo de constituição de
família”. Porém, na prática às vezes fica difícil definir o que é “objetivo de
constituir família”. Ela vara as noites no celular acompanhando influenciadoras
de casamento e ele muda de caminho para não passar na frente do cartório?
Provavelmente o objetivo não é comum no casal. Um dos dois pode mudar de ideia
(ou não). Daí a importância de um documento para que haja, pelo menos, uma
registro legal de quando a relação começou formalmente.
Os meus, os seus e os nossos: como isso
afeta os bens do casal?
A norma legal em vigor (que pode ser
alterada pela nova versão do Código Civil em tramitação no Congresso) define
que, por definição, toda união estável tem o regime de comunhão parcial de
bens. Traduzindo: os bens adquiridos antes da união são individuais e os
adquiridos depois são comuns, ainda que um dos dois tenha pagado mais dinheiro.
Se a intenção for diferente (o casal quer manter os bens separados ou fazer uma
comunhão total), é preciso deixar isso específico no contrato de união.
Quando não há uma união estável
formalizada em cartório, a data de início da relação pode ser questionada após
ela terminar – porque nem sempre as relações terminam de maneira harmoniosa e
pacífica. Formalizar a relação evita brigas jurídicas. Se uma das partes alegar
que houve união estável — e conseguir provar — poderá reivindicar metade do
patrimônio eventualmente adquirido durante o relacionamento, entre outros
direitos.
O que o contrato de namoro precisa ter?
Para serem válidos, esses contratos
precisam confirmar que não há vida em comum visando a formação de uma família.
Ou seja, mesmo que haja duas escovas de dente lado a lado no armário do
banheiro e que por vezes as camisetas acabem em gavetas trocadas, o contrato
deixa claro que isso é temporário. Mais importante em termos econômicos, o
contrato precisa deixar claro que não existem nem dependência econômica nem
divisão de patrimônio – mesmo que seja sempre ele quem pague a pizza e que
todas as viagens sejam com as milhas dela.
Na redação, o contrato tem de ter alguns
aspectos específicos. Na Qualificação, ele deve indicar que as partes moram em
residências diferentes. No Escopo, as partes devem deixar claro que mantêm um
namoro, sem intenção por enquanto de constituir família ou formar união
estável. O contrato tem de indicar que as partes estão assinando de livre e
espontânea vontade.
Também é necessário que haja uma cláusula
de ausência de comunhão patrimonial, onde o casal reconhece que não há
sociedade ou comunhão de bens, afastando os efeitos patrimoniais da união
estável. E é recomendável prever que, caso o relacionamento evolua para união
estável, as partes se comprometem a firmar contrato específico para reger
as questões patrimoniais.
O que o contrato não pode ter?
Mesmo tendo sido muito divulgado, o
contrato entre Endrick e Gabriely poderia ser contestado juridicamente.
Obrigações como dizer “eu te amo” ou andar apenas de mãos dadas, proibir
algumas expressões nas conversas on-line ou ainda as chamadas cláusulas restritivas,
que imponham limites a amizades, compromissos sociais sem o parceiro ou uso de
redes sociais, podem ser consideradas abusivas.
Também não é possível estabelecer uma
multa pela eventual infidelidade. Desde 2005 a infidelidade conjugal deixou de
ser crime previsto pela lei brasileira. Claro que a infidelidade pode ter
consequências jurídicas, como levar ao fim da relação e gerar uma indenização,
mas um dos princípios jurídicos mais importantes pelo Direito brasileiro é que
só existe um crime (ou contravenção) se ele for considerado crime pela lei.
Como fazer um contrato de namoro?
Esse instrumento é chamado “contrato
atípico”. Ele não está previsto expressamente no Código Civil, mas é aceito com
base na autonomia da vontade das partes. Nele, normalmente são incluídas
cláusulas como: reconhecimento de que a relação é um namoro e não uma união
estável; inexistência de coabitação habitual com intenção de constituir
família; ausência de patrimônio comum; e, por vezes, menção a regime de bens
para eventual mudança futura da relação.
Ele pode ser feito por instrumento
particular ou com escritura pública (com registro em cartório). Como estamos no
Brasil, os advogados recomendam a escritura pública para garantir maior
segurança jurídica. “O Contrato de Namoro pode ser realizado de
forma online”, diz a tabeliã Giselle Oliveira de Barro, presidente do Colégio
Notarial Brasileiro. “A busca por essa proteção deve aumentar, pois o
procedimento ficou mais rápido.”
Os contratos de namoro – assim como as
declarações de união estável e os casamentos – não têm prazo determinado. Mas
os namorados podem colocar uma cláusula prevendo a revisão periódica ou o
encerramento a qualquer momento se for de comum acordo.
Fonte: Forbes